A saída de Lionel Messi do FC Barcelona, que causa polémica desde os atritos com a direção do clube no ano anterior, continua a dar que falar, e o argentino parece não querer sair sem estrondo. O jornal espanhol El Mundo revelou no passado domingo o contrato de renovação entre Lionel Messi e o FC Barcelona, em 2017, ainda sob o mandato de Josep Maria Bartomeu, que se demitiu em outubro de 2020. Nele, uma informação colossal: o argentino iria receber um total astronómico de 555 milhões de euros, ao longo de quatro anos.
No decurso da semana foram sendo reveladas as cláusulas e obrigações do argentino no clube, bem como outras polémicas associadas ao contrato. Recorde-se que, recentemente, o FC Barcelona anunciou este ano ter dívidas a curto prazo a chegar aos 730 milhões de euros. A notícia não caiu bem junto dos envolvidos e os blaugrana negaram qualquer envolvimento na publicação do artigo, afirmando irem avançar com um processo judicial contra o jornal espanhol. Na mesma onda esteve Lionel Messi que, para além de processar o jornal, afirma a agência de notícias EFE, vai avançar com uma investigação para encontrar os responsáveis pela fuga de informação, suspeitando de cinco elementos que possam ter dado esta informação ao El Mundo, entre eles Josep Maria Bartomeu, Óscar Grau, antigo diretor executivo, e Carles Tusquets, presidente da comissão de gestão, que se encontra em funções até às eleições do próximo dia 7 de março.
Messi está em busca dos culpados e o FC Barcelona também, mas, entretanto, as informações vão pingando e o mundo vai ficando a par dos interstícios da relação entre o argentino e o clube que o acolheu, aos 13 anos de idade.
Os direitos e deveres de Messi
Entre as linhas do contrato, cada cláusula é mais bizarra do que a outra. Quinhentos e cinquenta e cinco milhões de euros poderá ser muito dinheiro, mas Messi quase passava a ser propriedade total do clube. Entre as mais marcantes estão a obrigação do craque de fazer “um esforço” por se integrar na sociedade e na cultura catalãs, pelo que lhe foram oferecidas aulas para aprender a língua da região e, alega o contrato, foram-lhe dadas várias ferramentas para atingir este objetivo. Apesar de viver na Catalunha desde os 13 anos, não consta que Messi seja fluente em catalão – nem sequer chegou a perder o sotaque argentino, e talvez seja mesmo a esta realidade que se refere esta cláusula do contrato. Por entre as cláusulas estão ainda a adoção “de uma conduta pessoal e um ritmo de vida adequados”, ficando ainda obrigado a “manter a condição física e desportiva ao máximo nível possível”, a “não participar em atividades que impliquem um risco de lesão” e “não usar doping”.
Messi fica ainda proibido de realizar “condução esporádica ou não de motos e motos aquáticas”, para além do uso de “parapentes, esqui, escalada ou equivalentes”. Além disso, o jogador não pode “conduzir veículos motorizados com uma taxa de álcool superior à permitida” – se bem que não se sabe de alguém que possa legalmente realizar essa atividade – nem “incorrer em doping e na administração ou venda de substâncias incompatíveis com a prática de futebol profissional”. Messi ficou também impedido de se negar a jogar em qualquer posição que o técnico blaugrana desejasse e, pasme-se, o contrato impedia o camisola 10 de falar mal do clube nas redes sociais. O jogador “obriga-se a não difundir através das redes sociais informação, comentários, vídeos, fotografias, etc. (…) que podem minar a sua imagem pública, a de outros jogadores, membros do staff técnico, direção e empregados do clube”, pode-se ler na transcrição do contrato feita pelo El Mundo.
Mas nem todas as cláusulas são obrigações para o internacional. Recorde-se que o contrato foi assinado em novembro de 2017, numa altura em que a Catalunha enfrentava uma nova onda de independentismo, com o referendo sobre a independência a assinalar-se apenas um mês antes da assinatura do contrato. Como tal, o internacional argentino exigiu uma cláusula que salvaguardasse o seu direito à demissão caso a região se tornasse independente de Espanha. Se tal acontecesse, Messi ficaria um jogador livre, sem ter de pagar a cláusula de 700 milhões de euros, com a possibilidade de assinar por qualquer outro clube de futebol.
Afinal, 500 milhões é muito ou não?
O FC Barcelona enfrenta uma grave crise financeira, tendo revelado cerca de 730 milhões de euros em dívidas a curto prazo no mais recente relatório fiscal do clube, para não falar dos 1730 milhões em dívidas passivas a clubes por todo o mundo, incluindo o Sporting de Braga. O clube fez mesmo um apelo aos jogadores do plantel para ser feita uma diminuição nos seus ordenados, de forma a contrabalançar os danos financeiros feitos ao clube, entre outras razões, pela pandemia de covid-19.
Ao mesmo tempo, no entanto, de uma forma quase paradoxal, foi revelado que o FC Barcelona é o clube que mais fatura no mundo, rondando os 715 milhões de euros por temporada, relativamente à temporada 2019/20, já que, em 2018/19, o valor atingiu os 840,8 milhões de euros.
Neste contexto, o gasto de 555 milhões de euros num jogador poderá ser apercebido como a razão central desta crise financeira. Não terá, com certeza, aliviado as contas, mas prontamente os especialistas pegaram nas calculadoras e perceberam que, afinal, segundo defendem, Messi ainda gera mais receita do que recebe.
O jornal desportivo espanhol Marca fez as contas, junto de vários especialistas, e chegou a esta conclusão. No momento pré-pandemia, Messi traria entre 130 e 200 milhões de euros ao clube. Além desses valores, refere ao jornal o economista Ivan Cabeza, “36% dos troféus do clube foram vencidos com Messi” e “a maioria dos contratos promocionais ou comerciais têm uma cláusula determinada por este jogador”.
Além destas realidades coloca o economista em ênfase a marca “Barcelona-Messi” como uma das principais fontes de receita do clube, desde a atenção dada nas redes sociais ao turismo que gera para a cidade – para não falar da venda de merchandising por parte do clube. Defendem os especialistas contactados pelo Marca que “oito em cada nove camisolas do FC Barcelona vendidas têm o nome de Messi nas costas”.
Aliás, recentemente os candidatos à presidência do clube Joan Laporta e Víctor Font juntaram-se também à festa, afirmando que existe uma disparidade entre a receita gerada por Messi e aquilo que recebe. À rádio catalã Rac 1, Laporta disse que Messi “não arruinou o clube, mas sim a direção anterior”, presidida por Bartomeu. Já Font, à rádio Onda Cero, assumiu sem hesitar: “Ao Messi há que fazer tudo o possível para retê-lo, em 2017 e também hoje. Messi gera isso e muito mais para o clube. Insinuar que o Barça está arruinado por causa dele é uma conclusão absolutamente errada”.
Em conclusão, 555 milhões de euros é, efetivamente, uma quantidade astronómica de dinheiro, mas diluída ao longo de quatro anos, e tomando em conta as receitas que o argentino gera para o clube, poderá argumentar-se que, ainda assim, a balança está estável, e caso Messi avance com a saída do clube neste verão, o Barcelona vai encontrar-se numa difícil posição financeira, perdendo um dos seus mais rentáveis elementos.