Cornellà de Llobregat é um dos arrabaldes de Barcelona e tem um clube chamado Unió Esportiva Cornellà que, no passado dia 6 de Janeiro, cometeu a proeza de eliminar o Atlético de Madrid da Copa do Rei. Como prémio, mandou o sorteio que receba hoje à noite, pelas 20h00, o vizinho rico, o Barcelona, gente fidalga e bem posta na vida que, ainda assim, esta época vem tremendo mais do que uma vítima da doença de São Vito.
A Unió nasceu de uma fusão: em 1951, o Club Futbol Conellà, o Acadèmia Junyent, e o Atlético Padró juntaram-se num só. Posteriormente, a Escuela Sant Miquel aderiu à nova organização e, aí sim, tudo ficou devidamente legalizado. Mas as raízes são bem mais antigas. Têm a sua força num clube formado por trabalhadores da instalação elétrica na região, em 1923, e por isso apelidado FC Cables Eléctricos que pertencia à empresa com o mesmo nome.
Não é de espantar que, após a proeza de despacharem os colchoneros, os adeptos do Cornellà sonhem com uma hora e meia de areia enfiada na maquinaria do Barça, por muito pouco oleada que ela tenha estado, tal como se viu na recente derrota na fase final da Supertaça. O campo, Nou Estadi Municipal de Cornellà, à beira do rio Llobregat, só suporta 1500 espectadores, razão pela qual muitos, se calhar, irão tirar proveito dos postes de eletricidade colocados nas vizinhanças pelos seus avós para treparem por eles acima e espreitarem nem que seja uma frinchinha de um encontro histórico. Tão histórico que é o primeiro de sempre entre as duas equipas. Só por isso haverá por aí muita gente a sonhar com um bilhete.
Atualmente na II Divisão B – Grupo 3, que corresponde ao terceiro escalão do futebol espanhol, o Cornellà também não vê o futuro da época com um sorriso rasgado de orelha a orelha – está no 8º posto, a sete pontos do líder, o Gimnàstic, e resta-lhe lutar para não cair mais na tabela. Mas, vendo bem, durante esta semana quem é que em Cornellà de Llobregat perdeu tempo a pensar nisso com a chegada iminente do grande Barça?
Ir e vir Cornellà é uma cidadezinha muito antiga que vem do tempo dos romanos. Tinha o nome de Cornelianus. Hoje é famosa por motivos não muito agradáveis: uma espécie de entroncamento de estradas e vias rápidas que ficam na entrada da Catalunha. O que não impediu, por exemplo, que o Espanyol de Barcelona tenha escolhido Cornellà para viver a partir do momento em que o velho Estádio Sarriá foi entregue à ditadura do camartelo. Hoje em dia joga no Estadio Cornellà-El Prat, inaugurado a 2 de Agosto de 2009.
Mas regressemos por mais um pouco ao passado porque é na origem dos clubes que se percebe o caminho que acabarão por tomar, por mais pequenos que eles sejam. Em 1951, com toda aquela mistura de entidades que formou o Unió Deportiva, foi um sarilho acertar com a cor do equipamento. Decidiu-se, não muito democraticamente, que a camisola seria verde às riscas brancas e os calções azuis, o equipamento do Club Atlético Padró. A ambição não ia para lá da região e, mesmo assim, nas segundas categorias catalãs.
Durante a década de 1960-70, o Cornellà atingiu o patamar acima, ascendendo à Primeira Regional, e isso já era motivo de orgulho que sobrasse. Alcunhado como o Clube da Via Férrea, lutou por diversas vezes ombro a ombro com o Andorra FC pela subida aos nacionais, algo que finalmente veio a conseguir mas apenas na época de 1998-99, tendo garantido o segundo lugar atrás do Girona. Pela primeira vez, o Unió jogava a III Divisão, tendo mesmo chegado a disputar, no final da época, a liguilha de acesso à II Divisão B.
Tal como acontece com os seus vizinhos fidalgos do FC Barcelona, o Cornellà orgulha-se da sua cantera. E foi com jogadores formados no clube que, pela mão de Diego Morata, conquistaram o único título da sua história, o de campeões nacionais da III Divisão,em 2013-14, instalando-se, em seguida, na tal II Divisão B onde estão agora.
Depois de terem eliminado o Marino (1-0 fora) e o Atlético de Madrid, em casa, também por 1-0, graças ao golo histórico de Jiménez logo aos 7 minutos, os moços orientados por Guillermo Fernández têm pela frente um mostrengo digno daqueles que vivem no mar e se erguem nas noites de breu. Mas, verdadeiramente, o que têm a perder? Pelo contrário, só têm a ganhar. Ninguém pode exigir-lhes mais do que até aqui.