Foi um autêntico fungagá. Ao Cais da Rocha de Conde de Óbidos aportou o navio-motor Ana Mafalda, regressado de África, onde foi, aqui e ali, recolhendo animais para o Jardim Zoológico de Lisboa. Lá das profundezas do seu calado, uma orquestra de sons estranhos e desafinados provocava a curiosidade dos transeuntes e assustava as gaivotas.
O povo começou a juntar-se aos magotes à medida que aquele estranho desembarque, mais próprio da Arca de Noé quando foi embater no monte Ararat, se prolongava por horas a fio. Os bichos não estavam de boa catadura. Enjoados pela viagem, irritados por os terem tirado do seu habitat natural, desagradados com a vista da capital? Vá lá saber-se. O sr. António Gomes, tratador dos animais do Jardim Zoológico, esfregava as nãos de contente. Há muito, muito tempo que não se via a braços com um estoque de tanta qualidade: “É, na verdade, um contingente interessantíssimo que muito irá enriquecer o zoo, onde não tardarão a exibir-se!”
Do ventre do Ana Mafalda iam saindo, a pouco e pouco, jaulas umas atrás das outras, merecendo cuidados especialíssimos por parte do pessoal de terra. Os macacos eram os mais excitados. Guinchavam a torto e a direito, atiravam-se contra as grades e viravam-se uns contra os outros em escaramuças. Eram nada menos que 77. Mais tranquilos e mais interessados no que se ia passando em seu redor vinham dois chimpanzés. Noutra jaula, dedicada às aves, viajavam sete grous, três deles de cabeça coroada, dois patos selvagens, quatro galinhós e outros tantos linguanos.
Não havia mãos a medir. Depois de um check-up médico, deviam dirigir-se às Laranjeiras. Vinte e quatro pelicanos era um número muito aceitável. Com eles vinham 29 flamingos e dez garças, que berravam sem intervalos. Quatro crocodilos mantinham-se em grupo numa das jaulas, enquanto noutra, assustado e irritado, um leopardo fuzilava com o olhar quem ousasse aproximar-se mais do que aquilo que ele considerava seu território, a despeito de estar encarcerado. As jiboias, enroladas sobre si próprias, não pareciam muito interessadas no que lhes pudesse acontecer, talvez confiantes no seu abraço fatal.
Pelo meio de toda a cacofonia ouviam-se gargalhadas. Risadas mais gostosas do que as da canção de Ivan Lins. Eram as hienas e a sua inevitável tendência para o humor macabro. Algo que lhes vem da mais profunda natureza…