Mais de 500 mortes por dia. É assim há oito dias consecutivos. Portugal está a viver um pico de mortalidade como não há memória recente na história do país, numa altura em que as projeções da epidemia e também a vaga de frio que se vive há uma semana apontam para um agravamento ainda maior da mortalidade ao longo do mês.
Desde 2009 só tinha havido três dias com mais de 500 mortes, dois dia em janeiro de 2017 e um dia no verão de 2018. Três dias em 4394 dias ao longo da última década, para se perceber o quão avassaladores são os números disponíveis na plataforma nacional de vigilância da mortalidade, onde são registados quase em tempo real os certificados de óbito declarados no país. Esta segunda-feira foi o dia mais negro pelo menos das duas últimas décadas.
Ontem soube-se que morreram 155 pessoas com covid-19, o pior registo desde o início da epidemia. Segundo a plataforma EVM, houve um recorde de 630 mortes no país (era a contabilização à hora de fecho desta edição que sofreu vários ajustes ao longo do dia, uma vez que os registos continuam a ser consolidados durante alguns dias à medida que são registados certificados de óbito que não deram entrada no próprio dia).
O mês de janeiro é historicamente o que regista a maior mortalidade no país, que tende a agravar nos anos com vagas de frio e épocas de gripe mais intensas. No ano passado a época de gripe foi ligeira e dezembro viria a ser o mês com mais mortes, num ano que acabou por bater o recorde de mortalidade das últimas décadas com 123 mil óbitos.
A covid-19, com uma taxa de letalidade na população diagnosticada com mais de 80 anos de 20%, tornou-se a nova variável, mas o excesso de mortalidade superou as mortes atribuídas à covid-19 e as causas ainda não estão codificadas pela DGS. No verão, quando a epidemia estava mais controlada, viveram-se picos de mortalidade entre os mais velhos, associados pelo Instituto Ricardo Jorge à vaga de calor. Mas até ao momento não há informação sobre as causas de morte e dados que avaliem o impacto da quebra de outros cuidados de saúde ao longo do ano, fruto da resposta à covid-19, nos indíces de mortalidade.Neste mês de janeiro, a covid-19 continua a ser a variável nova face ao inverno passado. A gripe mantém-se com uma “circulação esporádica”, indica a última avaliação semanal do Instituto Ricardo Jorge. A vaga de frio que se está a viver pode também estar a contribuir para um agravamento da mortalidade. E ao descompensar doentes crónicos e diminuir as defesas locais, vem piorar o cenário da pandemia: aumenta o risco de infeção e de maiores dificuldades em debelar a doença, sendo diferente ter covid-19 no verão ou no inverno quando se pode estar mais fragilizado. Certo é que mesmo sem gripe, os números da mortalidade estão em níveis recordes, com a previsão de aumentarem.
Esta terça-feira, na reunião no Infarmed o epidemiologista Manuel Carmo Gomes projetou que, havendo uma travagem nos casos, em 14 dias se pode chegar a uma média diária de 154 mortes associadas à covid-19. Com o recorde de 155 mortes conhecidos ontem, nos últimos sete dias subiu-se para uma média diária de 113 mortes, pelo que a projeção é de que as mortes continuem a subir. Nos últimos sete dias a média diária de óbitos no país está em 556 mortes. A covid-19 surge assim associada a 20% dos óbitos. Mas não explica toda a diferença. Nos últimos 11 anos, os registos disponíveis no site EVM, o dia 12 de janeiro com mais mortes foi o do ano 2009, quando morreram 448 pessoas. Há assim uma diferença de 180 mortes se compararmos com o pior ano. Se se comparar com janeiro do ano passado, ano com uma epidemia de gripe pouco intensa (afinal como este, sendo que havia até mais casos de gripe a esta altura de acordo com a vigilância do INSA), houve mais 250 mortes esta segunda-feira. No ano passado, a 12 de janeiro, morreram no país 378 pessoas.
Mais de 1600 mortes acima do normal em sete dias
Segundo a análise disponível na plataforma EVM, que o i consultou, há vários dias que a mortalidade se encontra “muito acima do esperado” face ao histório. Só nos últimos dias morreram mais 1600 pessoas do que seria expectável nesta altura, um excesso de mortalidade que começa a partir dos 65 anos mas é abissal no grupo etário acima dos 85. Nos dias com mais mortes no ano passado, ainda em janeiro, no pico da epidemia em abril, em julho ou mesmo em novembro/dezembro morreram cerca de 200 idosos com mais de 85 anos. Desde 6 de janeiro que estão a morrer diariamente mais de 250 idosos. De notar no entanto que se no ano passado houve apenas picos ligeiros de mortalidade acima do esperado abaixo dos 70, nos últimos dias a curva acentuou-se, com mais mortes consideradas prematuras dada a esperança de vida no país. Outro dado que salta à vista nos gráficos do EVM é o aumento das mortes nos hospitais: há vários dias que ocorrem mais de 300 mortes em instituições de saúde e segunda-feira atingiu-se um novo recorde de 400 mortes.
O aumento dos internamentos por covid-19 parece ter sido menos acentuado na segunda-feira, mas é necessário ter em conta que além de à segunda haver tradicionalmente mais altas – ao longo da semana é esperado um agravamento dos doentes internados e em UCI – alguma folga acrescida que surja nos hospitais resultam de haver mais pessoas a morrer, um indicador que foge às estatísticas da pandemia.No inverno de 98/99, nesse ano com gripe e frio, registou-se o maior excesso de mortalidade das últimas décadas, com mais de 8 mil óbitos a mais ao longo dos três meses de inverno. Janeiro de 1999 foi o pior mês, com 14 mil mortes, quando habitualmente rondam as 10 mil. Nos primeiros 11 dias de janeiro morreram no país mais de 5700 pessoas, com 1108 óbitos associados à covid-19. Portugal ultrapassou ontem as 8 mil mortes associadas ao SARS-CoV-2 desde o início da pandemia. Até fevereiro, a projeção apresentada na reunião do Infarmed é que o país possa chegar a 9 de fevereiro com 12 mil mortes acumuladas, o que aponta para 4 mil mortes nas próximas semanas. Isto se houver um efeito significativo na travagem dos contágios a partir desta semana.