A notícia era curta: “Uma equipa francesa de mediana categoria técnica (o Red Star) vem servir de pedra de toque ao Sporting de Yazalde. O jogo (que pelas 21h45 se disputa em Alvalade) vai servir, portanto, para a estreia em terra portuguesa do internacional argentino que os leões recrutaram em Buenos Aires e já alinhou com a camisola do clube numa partida efetuada no Brasil”.
24 de fevereiro de 1971. Estão à beira de se cumprir 50 anos que o popular Chirola chegou a Portugal. A alcunha ganhou-a de se exibir, ainda menino, com uma bola de futebol em troca de uma moeda de tostão (ou chirola). Tinha como nome completo Héctor Casimiro Yazalde, nasceu em Avellaneda, nos arredores de Buenos Aires, no dia 29 de maio de 1946, partiu para a planície da eterna saudade a 18 de junho de 1997, na plenitude dos seus 51 anos. O povão, em Portugal, nos bairros remediados de Lisboa, trocava-lhe as voltas ao apelido: para a maior parte da malta era o Djazalde.
Contra o Red Star, na sua noite de aclamação em Alvalade, Héctor teve como companheiros de ataque Chico Faria, Lourenço e Marinho. Muitos e muitos milhares de pares de olhos se fixavam no argentino que estava destinado a ser Bota de Ouro da Europa, embora ainda ninguém pudesse adivinhá-lo.
O Red Star fez o que pôde, mas podia muito pouco. Perdeu por 0-3, com os golos dos leões a serem apontados por Chico Faria (40 m), Laranjeira (58) e Gonçalves (69). Constantemente ao ataque, asfixiando o opositor com a força de uma cobra pitão, o Sporting poderia ter obtido uma vitória choruda. Mas o desperdício foi excessivo. E o pobre Landu, guarda-redes que defendia a baliza parisiense, também não estava propriamente a dormir. Bem pelo contrário. Tornou-se um muro. Mas um muro elástico, ziguezagueante, atrapalhando as movimentações portuguesas na sua grande área.
E Yazalde? Vamos e venhamos: a malta encheu as bancadas gélidas de Alvalade e com a sua curiosidade concentrada num homem: Héctor Yazalde. Começara a jogar no Piraña, um clube de bairro, e a marcar golos com a facilidade de quem bebe uma garrafa de água do Vimeiro. Era bom! Não enganava. Por isso foi contratado pelo Independiente e, aos 20 anos, já era campeão argentino e já tinha sido chamado à seleção principal do seu país.
Uma chusma de clubes queriam Yazalde. Do Santos e do Palmeiras, no Brasil, ao Nacional de Montevideu, no Uruguai, e ao Boca Juniors, na Argentina, até aos europeus Valência e Lyon. Vivaço, um dos grandes dirigentes da história do Sporting, muitas vezes injustamente esquecido, Abraão Sorin, tratou do negócio sem alardes: por 4200 contos, o Chirola assinou pelos leões. Haveria de rugir muito.
Entretanto, em Alvalade, contra o Red Star, os estrelas vermelhas de Paris, o jogo ia decorrendo sem Yazalde. Ele estava lá não estando. Antes do intervalo teve uma oportunidade de baliza aberta, mas chutou para fora. Perdia-se em pormenores. Tentava as tabelinhas com os companheiros da frente, mas não acertava com o momento correto da desmarcação, da fuga por entre os defesas franceses. Aqui e ali, um toque de classe, demonstrando uma face luminosa do diamante que era, mas rapidamente caia no tom baço que envolvia a noite.
A imprensa desiludiu-se tanto como os espetadores. A estrela ficara escondida por detrás das nuvens. Era preciso ter paciência, esperar que se enturmasse melhor com os companheiros, percebesse o que os técnicos Fernando Vaz e Mário Lino pretendiam dele. Os espetadores abandonaram o Campo Grande com um amargo de boca. Que se manteve ao longo de uma época em que o Chirola foi extremamente irregular. Participou em 20 jogos para o Campeonato Nacional e ficou-se pelos nove golos marcados. Na Taça de Portugal, nem um golo para amostra em três partidas. Melhor na Europa: quatro golos em quatro encontros. A época seguinte foi ligeiramente melhor, com 19 golos em 29 jogos do campeonato e um total de 28 durante toda a época. Finalmente, em 1973-74, a explosão por entre cometas: 46 golos em 29 jogos do campeonato e a conquista do prémio de melhor goleador da Europa. Um número impressionante. Passara a ser o menino bonito dos adeptos leoninos, esteve presente na fase final do campeonato do Mundo, na Alemanha, no ano seguinte partiu para Marselha. Já ninguém se lembrava da tristonha estreia frente ao Red Star.