Comecemos 2021 a recapitular uma verdade autoevidente: Portugal seria uma nação menos livre, menos próspera, mais injusta, mais desigual e ainda mais atrasada se não fosse a União Europeia. É a nossa pertença a este projeto de civilização, de primado da Lei e de humanismo, que tem permitido aos portugueses, apesar de tudo, ter um Estado Social minimamente funcional e fazer parte (mesmo que remotamente) do grupo de nações do primeiro mundo.
2021 será, por todas as razões, um ano ainda mais decisivo na afirmação nacional dos ideais europeus. O combate à pandemia (por via da vacinação) e a reconstrução da economia e da sociedade assentará muito na solidariedade europeia.
Quis o destino que fosse Portugal a assumir os destinos da União neste tempo crítico. Por ironia do destino, foi Angela Merkel a passar o testemunho a António Costa e a desejar “boa-sorte” aos portugueses para a Presidência do Conselho.
Houve um tempo, não muito distante, em que só pronunciar o nome da chanceler alemã tinha, por entre os protagonistas da extrema-esquerda indígena, efeito semelhante ao de uma campainha nos canídeos de Pavlov. Felizmente para a salubridade do debate público, os radicais estiveram mudos e quedos. Não é a primeira vez.
Outrora permanentemente acicatados, bloquistas e comunistas estão hoje mansos no ataque a Bruxelas. Angela Merkel, tantas vezes vilipendiada por uns e outros, já não é tratada como “a mulher mais perigosa da Europa” – na opinião do pouco recomendável Esquerda.net – nem pintada com bigodinhos à Hitler pelos camaradas das manifs e dos manifestos.
Almas mais incautas creem que bloquistas e comunistas estão diferentes. Porventura, conformados com as evidências. Afinal de contas, a Europa provou ser indispensável aos seus cidadãos e às nações. Outros acreditam que o mérito é do Partido Socialista, que domesticou os impulsos radicais dos seus parceiros de esquerda, e de António Costa, que normalizou a convivência democrática com marxistas-leninistas e neocomunistas.
Este é um raciocínio normal, feito por pessoas normais aplicado a partidos normais. Mas o PCP e o BE não são partidos normais, não são como os outros. São partidos revolucionários. Não mudam. Ou podem mudar alguma coisa para que tudo fique essencialmente na mesma.
Podem, por razões estratégicas, ter recuado no ataque deliberado a Bruxelas. Mas continuam a ser o que sempre foram: forças visceralmente eurocéticas e anti-euro. Nada disto os separa, aliás, dos principais movimentos populistas e extremistas na outra ponta do espectro político.
São abundantes, aliás, as referências que dão conta da intolerância do PCP e do BE para com a ideia de união construída pelas forças democráticas no pós-guerra. “O Euro e Europa”, dizia Jerónimo de Sousa no congresso do partido em 2016, são “a fonte dos maiores males dos portugueses.” Logo, acrescentava o secretário-geral do PCP, para “salvar a Europa” é preciso “derrotar a UE.”
Se é verdade que o confronto do PCP com Bruxelas continua a ser feito à luz de razões históricas e ideológicas, quanto ao Bloco a razão é outra: o confronto pelo confronto. O BE não existe sem confronto na sociedade, não subsiste se não criar uma turba de oprimidos que, heroicamente, os bloquistas salvarão das garras do opressor. Os protagonistas do esquerdismo continuam, assim, presos na “doença infantil do comunismo”. Em matéria de política europeia, essa infantilidade foi pintada em murais onde a alarvidade e a liberdade se confundiram nas ruas de Lisboa. Ou nas cartas abertas que, em 2012, e a propósito de uma visita de Estado ao nosso país, declaravam Merkel como “persona non grata” em Portugal.
Nessa sua demanda violenta e revolucionária, nem comunistas nem bloquistas escondem o seu ódio a todas as instituições que representem uma certa ideia de ordem, a economia de mercado e a democracia liberal.
Merkel é, de longe, a maior figura política contemporânea. E, ao sê-lo, personifica não apenas tudo aquilo que bloquistas e comunistas abominam mas também os maiores obstáculos à sua marcha revolucionária.
Costuma dizer-se que há uma nova clivagem na política. E se é verdade que nos últimos 25 ou 30 anos a cisão principal é entre duas famílias políticas, a esquerda e a direita, hoje essa fronteira mudou. Ela separou abruptamente as famílias da esquerda e da direita.
Colocou, de um lado, os defensores da sociedade aberta, liberal e tolerante e, do outro, os proponentes da sociedade fechada.
PCP e Bloco de Esquerda continuam militantemente no grupo dos últimos. Eles não querem melhor Europa. Eles não querem, sequer, outra Europa. Eles não querem Europa de todo. Porque abandonar a Europa, largar o Euro, é só o caminho mais rápido para a constituição da sociedade socialista com que eles sempre sonharam. O projeto político que, em todos os tempos, por todos os lugares do mundo, só produziu miséria, violência e tirania.
Só não se percebe onde o PS de Mário Soares se situa nesta confusão, nesta pantominice, nestas trapalhadas da esquerda radical.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira