2020 poderia vir acompanhado de uma série de adjetivos pouco simpáticos. Não foi um ano fácil. A pandemia provocou despedimentos – e não aumentou mais porque o número foi “mascarado” pelo layoff – insolvências e trouxe várias dificuldades financeiras a grande parte da população mundial. Portugal não foi exceção. 2021 traz consigo a esperança mas, primeiro, é preciso fazer contas ao que 2020 nos deixou.
Os números do desemprego dispararam, o que não é de estranhar, já que estamos numa crise provocada pela pandemia. E os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística falam por si: a taxa de desemprego subiu para 7,8% no terceiro trimestre deste ano. O gabinete de estatística revelou que o número de desempregados atingiu os 404,1 mil, mais 45% do que no trimestre anterior, o que corresponde à taxa de variação trimestral mais elevada da série iniciada em 2011.
Já os dados mais recentes do IEFP revelam que o número de desempregados inscritos nos centros de emprego até ao final do mês de novembro caiu para mais de 398 mil, depois de este indicador ter ficado acima dos 400 mil nos seis meses anteriores. Ainda assim, face ao ano passado, as novas inscrições aumentaram 2% e o total de desempregados subiu 30,2%.
O analista da XTB contactado pelo i não tem dúvidas em relação ao número de desempregados. “Aumentou devido às medidas de confinamento total impostas pelo Governo em meados de março e durante o mês de abril” mas também “devido às medidas restritivas impostas desde então até ao presente momento. Estas medidas fustigaram a economia em geral, mas com maior incidência no comércio tradicional, na restauração e no turismo”, defende Nuno Mello.
O analista relembra que o facto de o número de desempregados estar a aumentar relativamente ao segundo trimestre está relacionado sobretudo com a definição usada pelo INE. “Para o INE para uma pessoa estar desempregada tem que reunir três condições: não ter um posto de trabalho, estar ativamente à procura de emprego e estar disponível para aceitar uma vaga caso surja”, diz ao i, lembrando que durante o confinamento, os números não contribuíram para as estatísticas. “Ora, durante o período de confinamento total a maioria das pessoas sem emprego não estavam à procura de emprego, não contando assim para as estatísticas. À medida que o desconfinamento avança progressivamente, as pessoas vão-se inscrevendo nos centros de emprego e o número de desempregados vai-se aproximando cada vez mais do real”, explica Nuno Mello.
A medida de layoff – das mais usadas pelas empresas portuguesas – cuja proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2021 apresentada pelo Governo e que foi aprovada na Assembleia da República prevê o prolongamento desta medida em 2021, pode ter mascarado os números? O analista da XTB não tem dúvidas: “Muitas da empresas que estão com sérios problemas de tesouraria, vêm sendo suportadas artificialmente por estes apoios. Quando estes apoios terminarem será inevitável que muitas delas acabem por falir, atirando para o desemprego milhares de trabalhadores e portanto o aumento da taxa de desemprego nos próximos anos”.
E nem os apoios do Governo salvaram os despedimentos coletivos que dispararam e atingiram o nível mais elevado desde 2014. De acordo com a Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), até ao final de outubro, foram comunicados mais de 580 processos deste tipo, dos quais quase 83% por micro e pequenas empresas.
Em relação à forma como o país fechará o ano no que diz respeito à taxa de desemprego é ainda uma incógnita: Quanto aos valores da taxa de desemprego para este ano, os vários organismos têm estimativas diferentes: Segundo o Banco de Portugal, a taxa de desemprego deverá ficar nos 7,2%, enquanto o Conselho das Finanças Públicas (CFP) aponta para 10,0%. O Governo aponta para os 8,7%, o Fundo Monetário Internacional (FMI) para os 8,1%, a Comissão Europeia (CE) 8,0% e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) 7,3%.
Insolvências também sobem
E se há empresas que vão conseguindo manter-se, há outras a quem a pandemia não deixou outra alternativa se não fechar portas. Nos primeiros 11 meses deste ano foram registadas 4.695 insolvências registadas nos primeiros onze meses de 2020, o que se traduz num aumento de 2,2% face ao período homólogo do ano passado. Os são da Iberinform, filial da Crédito y Caución que diz que, no entanto, o valor acumulado é inferior aos números apurados tanto em 2018 (5.398 insolvências) como em 2017 (5.787). O mês de novembro registou até uma diminuição nas insolvências, com 506 empresas insolventes, menos sete que no período homólogo de 2019 (-1,4%).
Os distritos com maior número de insolvências são Lisboa e Porto, com 948 e 1.206, respetivamente. Face a 2019, verifica-se um aumento de 2,2% em Lisboa e de 8,5% no Porto. No entanto, os maiores crescimentos pertencem aos distritos de Castelo Branco (32,1%), Vila Real (28,2%), Viana do Castelo (23,6%), Faro (22%), Madeira (20%), Évora (13,2%) e Bragança (12,1%).
Já os setores mais afetados e onde as insolvências foram mais evidentes são telecomunicações (33,3%), hotelaria e restauração (18,8%), eletricidade, gás e àgua (8,3%) e outros serviços (7,4%).
Do lado oposto, segundo a Iberinform, a criação de novas empresas desceu 24,6%.
Muitas destas insolvências – que contam também para a taxa de desemprego – não são conhecidas mas o caso mais recente diz respeito ao encerramento da Galp, em Matosinhos, que vai pôr em causa 1500 postos de trabalho diretos e indiretos.
Os alertas para as insolvências são, aliás, dados por vários responsáveis de vários setores, como é o caso da Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), um dos setores mais afetados pela pandemia. O último inquérito aos empresários do ramo revela que 40% das empresas ponderam avançar para insolvência, uma vez que as receitas realizadas e previstas não permitirão suportar todos os encargos que decorrem do normal funcionamento da sua atividade.
Já o presidente da Confederação Empresarial de Portugal, alerta que a pandemia de covid-19 já provocou cerca de 110 mil despedimentos. “Sabemos hoje que já se perderam qualquer coisa como 110 mil postos de trabalho”, disse António Saraiva, defendendo ainda que podiam ter sido evitadas algumas falências e salvos postos de trabalho se o Governo adotasse algumas das medidas apresentadas pela CIP no início da pandemia.
O analista da XTB defende que, este ano, “entre empresas dissolvidas e empresas em processo de insolvência deveremos ter ultrapassado as 35.000 empresas”, diz ao i. “Outro dado interessante é que este ano o número de empresas dissolvidas/em insolvência deverá ser superior ao número de constituição de novas empresas o que espelha bastante bem o efeito nefasto que a pandemia trouxe para o tecido empresarial português. O setor mais afetado foi o hoteleiro, da restauração e similares”, acrescenta.