Heróis anónimos que fizeram o Natal ao longo do ano

Heróis anónimos que fizeram o Natal ao longo do ano


Pedimos aos leitores para partilharem histórias de quem fez a diferença neste ano mais difícil. Falámos com uns e outros e publicamos nesta edição os testemunhos. Retratos de altruísmo e resiliência em pequenos e também grandes gestos que não foram notícia, mas fizeram e fazem o dia-a-dia. Inspiraram e deixaram marcas de gratidão. A todos,…


Atravessar 2020 nos ombros de um gigante

 O meu avô Firmino nasceu a 21 de maio de 1927. Entre 2018 e o final de 2019, o meu avô perdeu duas das pessoas mais importantes na sua vida: a filha e a sua esposa, a minha avó, a sua companheira durante 60 anos. Quando toda a família quebrou, primeiro em 2018 e, depois, em 2019, manteve-nos à tona de água com a sua grandeza de espírito.
Apesar da dor excruciante, a mensagem era clara: era urgente seguir em frente e deixar alguém para trás não constituía uma opção. Eu sei que parece improvável, mas acreditem neste que vos escreve: não obstante a sua constituição franzina e a sua idade avançada, o meu avô carregou nos seus ombros todos os que pareciam recusar-se a seguir em frente: filhos, netos, bisnetos.

Fast-forward: março de 2020

Pertencendo o meu avô ao grupo de risco, a quarentena alterou completamente a sua rotina.
Ir à rua cheirar as flores ou fazer conversa de circunstância com os vizinhos passou a ser, pasmem, perigoso.
A solidão mata e eu não estava disposto a deixar o meu avô morrer, entregue a si próprio. 
A primeira vez que vi o meu avô de máscara constituiu para mim uma experiência quase traumática. À curvatura acentuada da sua coluna vertebral impunha-se agora uma máscara que lhe cobria o rosto e lhe roubava as expressões faciais que invariavelmente iluminavam o meu avô, com a sua boa disposição.
A máscara deixava transparecer, pelo menos aos meus olhos, uma maior vulnerabilidade para a qual eu não estava preparado, o que me levou a perguntar se ele sentia dificuldade em respirar.
Para me tranquilizar, mas principalmente para não perder uma excelente oportunidade de se rir de si próprio, disse: “Dificuldade em respirar? Isso é para velhos, pá!” Com esta resposta, o meu avô mostrou-nos mais uma vez a direção a seguir e, um a um, voltámos a subir para os seus ombros.
Hoje, a duas semanas de entrarmos em 2021, com o meu avô vivo e de boa saúde e a poucas semanas de começar o programa de vacinação em Portugal, eis que chegou a hora de descermos dos seus ombros e caminharmos o que resta desta odisseia pelo nosso próprio pé.
Mais preparados, é certo, para o que ainda está para vir e, acima de tudo, com mais capacidade de rir de nós mesmos.
Agora, se me permitem, antes que se faça tarde, vou ligar-lhe para dizer o quanto orgulho tenho em ser seu neto e aproveitar para citar Isaac Newton: “Se vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”. 

Rui Maia 

A minha mãe, incansável

Este ano foi muito complicado para toda a gente: negócios a fechar, pessoas a deprimir, gente a adoecer… Mas, mesmo assim, houve uma quantidade considerável de pessoas que se mantiveram firmes no meio de toda a crise, que nunca se desleixaram, trabalhando incansavelmente para assegurar o maior bem-estar possível da população em situação pandémica. E uma dessas pessoas foi a minha mãe, Ana Isabel Ferreira Soares da Mota Teles. É neuropsicóloga e está a trabalhar desde março (início da pandemia em Portugal) na linha de apoio psicológico do SNS24.
Desde então que tenho assistido a tudo: a minha mãe atende chamadas na linha, dá consultas via Skype, elabora vários relatórios, junta-se a imensos projetos… Tudo isto enquanto está o máximo de tempo possível com a família, que ela adora. Vejo isto tudo. E também a vejo às vezes de rastos, cheia de peso nos ombros, mas consigo perceber pela cara dela que vale a pena. Este ano, a minha mãe esteve sempre pronta e preocupada em ajudar os outros, trabalhou árdua e dedicadamente nos seus projetos e nunca virou as costas a nada. Isto é admirável, uma autêntica inspiração, de tal forma que até já deu entrevistas acerca do seu trabalho na linha SNS24. Por isso digo, neste Natal, que a minha mãe é a minha heroína de 2020, e pretendo homenageá-la não só na época festiva, mas sim todos os dias.

André Mota 

Oferecer laranjas… e não só​

Com o início da pandemia, os meus pais, com medo da covid-19, meteram-se mais em casa e comecei a tratar deles. Têm um quintal e eu, para os tirar de casa um bocadinho, disse-lhes para irmos trabalhar para lá. Viemos para o quintal e semeámos tudo e mais alguma coisa: ervilhas para comer, etc. Tínhamos também muitas laranjeiras e tangerineiras. Temos sempre, todos os anos. Mas, como eu trabalhava fora, não ligava nenhuma àquilo nem às pessoas daqui de Lemenhe, no concelho de Famalicão. 
Este ano, estávamos por casa e, quando vou levar a comida aos meus pais – que eu moro ao lado –, vi muitas laranjas no chão. E pensei que se calhar há muita gente a passar fome e a não ter dinheiro para comprar fruta e outros alimentos. Pensei: “Se calhar vou dar. Mas vou dar como?” E surgiu a ideia. Comprei uns sacos e pus ali fora da minha casa, na minha grade. As pessoas que passam vão olhando e quem precisar pega nos sacos. E comecei assim, há 12 dias, a pôr umas laranjas. Logo no início, coloquei as laranjas lá fora e, passadas três horas, já não tinha lá nada. Olha que boa ideia! Vejo carros a parar e tiram os sacos. Agora vou colocando mais coisas:laranjas, couves, chuchus, bem como as clementinas e as tangerinas. Estamos numa altura em que precisamos de vitamina C.
Agora, as pessoas dizem que não esperavam outra coisa de mim. Achei que, se é para ajudar os outros, porque não fazer isto? Estamos numa fase tão complicada e as pessoas gostam tanto de miminhos. Acho que esse miminho me está a ser recompensado em tudo. As pessoas tocam à minha campainha a dizer que eu sou genial. Sempre fui uma pessoa muito sociável, mas acho que estas atitudes dão uma certa alegria às pessoas. E, como elas estão felizes, eu estou feliz. 

Margarida Oliveira 

Leia o artigo completo na edição impressa do jornal i. Agora também pode receber o jornal em casa ou subscrever a nossa assinatura digital.