Abundam hoje, talvez como nunca, os diagnósticos pessimistas, tendo-se instaurado uma espécie de apocalipse radiante no que toca às análises da condição da rotina imparável que tomou conta de todos os nossos impulsos, sejam eles de trabalho ou de consumo e lazer. Na terça-feira, com a morte de Eduardo Lourenço, foi repetida à exaustão uma frase que proferiu numa entrevista, em 2017: “Hoje podemos estar uma vida inteira a ver cinema, televisão ou um ecrã e morrer sem ter entrado na vida.” É uma ideia que se generalizou, a de que a humanidade parece estar alheada do seu destino, como se este lhe fosse indiferente, preferindo aguardar pela versão dramatizada que faz da humanidade uma mera audiência ou público, sentada no sofá, estarrecida diante de uma empolgante criação televisiva, a qual só então o fará compreender o seu conflito. Isto numa espécie de abatimento emocional que concentrará redenção e catarse, sem inspirar nele qualquer ato de rebelião ou sequer um desejo de mudança. Aprofundando a análise feita por Lourenço desta forma de decadência em que o homem não encontra sentido na vida senão quando esta lhe é reproduzida com melhores valores de produção, com alguma estrela de Hollywood a encarnar o seu papel, mimetizando as suas experiências, debatendo-se com dilemas e crises semelhantes, vale a pena citar uma outra sua: “Passámos do trágico para uma espécie de carnavalização de todas as experiências, todas as atitudes humanas. Hoje não há dúvida de que o espaço próprio da civilização a que pertencemos se chama televisão.”
Mas não se perturbem porque este não é um desses textos. Não vamos mais longe nem mais fundo que isto, e vamos antes falar sobre a força que a televisão está a ganhar, particularmente desde o início da pandemia. Não há estatísticas nem dados muito concretos sobre os hábitos dos portugueses no que toca às horas que passam diariamente em frente à televisão, mas se em 2019 os norte-americanos passavam, em média, 2,8 horas à frente da caixa, sabe-se que neste ano, devido às restrições e há ansiedade causadas pelo vírus, os números das audiências televisivas aumentaram em 50%. E não é surpresa que a quarentena a que milhares de milhões de pessoas em todo o mundo tenha acelerado de forma decisiva a expansão desse reflexo de uma sociedade digital, em que os ecrãs se tornaram, mais que janelas, portais para um reino de conexão permanente, uma loja de conveniência aberta 24 horas, e que tenta compensar os bloqueios ao nível do contacto social.
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