Nelson Rodrigues, escritor e jornalista brasileiro, dedicou parte da sua atenção e do seu talento a escrever crónicas sobre futebol. É-lhe atribuída a frase: “Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”.
Na realidade, Nelson Rodrigues ignorou, desta vez, em mais uma tirada cortante, as exceções à regra. Mas mesmo sem intenção, lá terá voltado a acertar em cheio nas redes precisamente 40 anos após se despedir em vida. “Quem pensa com a unanimidade não precisa de pensar”, disse. E quando o assunto se trata de futebol e de Vítor Oliveira as coisas são exatamente assim: É unânime. E nem sequer é preciso pensar.
Vítor Oliveira morreu, sem aviso, aos 67 anos, deixando-nos um legado que vai muito para além do currículo de sucesso como treinador de futebol – enumerado nas últimas horas vezes sem conta sempre com o mesmo espanto nos olhos de quem o lê ou ouve –, e que lhe valeu o epíteto de “Rei das subidas”. O jogo perdeu um homem humilde, simpático e generoso, que dizia sempre o que pensava, de forma séria e honesta: chegou mesmo, pasme-se!, a admitir no final de uma partida de futebol (em Portugal) que a sua equipa só ganhara porque o árbitro a tinha beneficiado.
Ao longo da vida, o seu caráter foi tocando todos os que com ele tiveram a sorte de se cruzar. Somou incontáveis amigos por todos os sítios por onde passou – que hoje choram a sua ausência precoce –, junto aos relvados, à mesa ou numa simples (mas sempre competitiva) partida de sueca.
Imortal
Vítor Oliveira, ex-jogador nas décadas de 1970 e 80, tinha deixado a intenção de abandonar a carreira de quatro décadas de treinador na última época, após assegurar a manutenção do Gil Vicente na 1.ª divisão. Ao longo deste percurso somou 11 subidas ao principal escalão do futebol português, à frente de dez equipas diferentes: Paços de Ferreira (por duas vezes), Académica, U. Leiria, Belenenses, Leixões, Arouca, Moreirense, U. Madeira, Desp. Chaves e Portimonense – alimentando sonhos e espalhando alegrias nas bancadas um pouco por todo o país.
Era agora comentador, e na passada quarta-feira tinha acompanhado a transmissão televisiva do Marselha-FC Porto para a Liga dos Campeões. Previa regressar, em breve, ao ativo, embora noutras funções. No dia da sua partida, o Leixões anunciou que já tinha endereçado um convite a Vítor Oliveira para que assumisse o cargo de diretor-geral do clube de Matosinhos, sua terra natal. Já não foi, porém, a tempo de dar uma resposta ao clube do seu coração. O mesmo coração que o traiu quando, na manhã de sábado, fazia uma caminhada em Angeiras, Matosinhos, bem pertinho de casa, por aqueles pontões à beira da praia de onde se veem chegar, perenes, as vagas que o Atlântico atira contra a areia.
A Liga de Clubes decidiu imortalizá-lo, atribuindo o nome de Vítor Oliveira aos prémios que distinguem os treinadores das equipas do futebol profissional em cada época desportiva (mensal e anualmente).