Os melhores vilões parecem erguer-se de qualquer sombra, e estão lá sempre que uma silhueta nos surge como ameaçadora. São o motivo porque tantos de nós pedíamos que deixassem uma luz acesa ao ir para a cama. E entre todos, não houve outro como Darth Vader, que parece forjado como metáfora desse negro que é a ausência absoluta de luz, um negro que causa vertigens aos astronautas, tão intenso que não precisa de fazer um gesto, pois tem em si a própria expressão do abismo. Por trás da máscara, do fato negro e da capa, na trilogia com que a saga Star Wars desenhou o perímetro exterior do nosso imaginário popular, estava um actor inglês com quase dois metros de altura, chamado David Prowse. A postura é dele, aquele rigor físico de um organismo que é pura assombração, e parece ilustrar as forças que animam as grandes massas cósmicas. Prowse tinha orgulho de ter dado expressão a Vader, ainda que a voz que conhecemos seja a de James Earl Jones, sobreposta à sua em pós-produção, isto porque nunca pôde esconder o seu forte sotaque de Bristol. Inicialmente, quando fez o casting, deram-lhe a escolher entre interpretar Vader ou Chewbacca, o companheiro peludo de Han Solo, e, anos mais tarde, ficou célebre a sua resposta, quando lhe perguntaram porque preferiu o lado negro: “Toda a gente se lembra do vilão.”
Agora que morreu, aos 85 anos, ficou claro que fez a escolha certa, e os obituários que se multiplicaram por todo o mundo assinalavam o contraste entre o personagem que o tornou famoso e a sua reputação de “gigante gentil”, tendo no currículo muitos outros feitos, e alguns de que se honrava mais, como o ter sido o rosto de uma campanha de segurança rodoviária junto das crianças, a “Green Cross Code”, a qual terá ajudado a salvar milhares de vidas.
Nascido em Bristol, em 1935, Prowse foi criado por uma mãe solteira e nunca chegou a conhecer o pai. Na adolescência, descobriu o culturismo que viria a tornar-se uma obsessão e um ganha-pão, tendo competitido em várias edições do Mr. Universo, onde travou amizade com Arnold Schwarzenegger e Lou Ferrigno, actor que viria a encarnar o Hulk na televisão. Durante uns tempos, andou em digressão com o nome artístico Jack the Ripper em que impressionava audiências com as suas prodigiosas capacidades físicas, entre as quais a de rasgar listas telefónicas. Antes de se tornar um dos primeiros nomes na lista dos agentes de casting sempre que uma produção precisava de um tipo para fazer de monstro, foi-se sustentando como segurança de discotecas, enquanto progredia no culturismo, acabando por ser campeão britânico de halterofilismo por três vezes, representando o país nos Jogos da Commonwealth em 1962 em Perth, na Austrália. Foi isso que lhe deu o seu primeiro papel na televisão, como o super-herói que procurou influenciar o público, transmitindo às crianças os perigos da estrada e a necessidade de respeitar o código. Depois de algumas aparições televisivas veio o cinema, mas foi sempre a imponência da sua figura o que, de algum modo, aparecia, deixando-o também na sombra. Foi guarda-costas em “Laranja Mecânica”, de Kubrick, participou na série “Doctor Who”, foi o Cavaleiro Negro no Jabberwocky de Terry Gilliam, sempre nalguma variação na escala dos monstros, tendo por várias vezes encarnado versões do Frankenstein. Foi esse, de resto, o seu primeiro papel no cinema, em “Casino Royal”, de 1967. Uma década mais tarde estreava o primeiro Star Wars, que apanhou de surpresa toda a indústria e se tornou um fenómeno mundial sem precedentes, firmando a cultura dos blockbusters, e, um ano depois, Prowse ia-se revezando à frente e atrás das câmaras, nomeadamente como treinador pessoal de Christopher Reeve, ajudando-o a preparar-se para dar vida ao Super Homem.
Prowse voltou a dar corpo a Vader nos dois filmes seguintes da saga de George Lucas, mas nas cenas de luta este recorreu a um outro atleta, Bob Anderson, mas o verdadeiro insulto para o actor viria no capítulo que encerrou a triologia original, quando Vader revela finalmente o rosto em “O Regresso de Jedi”, e Lucas até nesse breve momento que teria sido a sua hora triunfal, preteriu-o, preferindo ir buscar o actor de teatro inglês Sebastian Shaw. Quase três décadas depois, em 2010, Prowse e Lucas viriam a desentender-se o que pôs fim à sua participação nas digressões de eventos e encontros de fãs, onde ele continuava a envergar a máscara e o fato.