Retalhos da vida judiciária II – “o copia, corta e cola”


Não há melhor servo da preguiça do que, atualmente, essa maravilhosa invenção informática na ótica do utilizador.


O texto anterior destes “retalhos” acabava com a palavra preguiça – tal como Os Lusíadas, passe o estrondoso abuso da comparação, finda com a palavra inveja. Pois bem, não há melhor servo da preguiça do que, nos tempos que correm, essa maravilhosa invenção informática na ótica do utilizador que é o copy & paste. Uma verdadeira instituição que está por todo o lado, inclusive no último lugar onde deveria estar, a justiça. E que dá para tudo, sobretudo para despachar e dar despacho, e para fazer de conta que se fundamenta. Umas vezes é mais cuidada, outras é mais trapalhona, e vai ao ponto, por vezes, de deixar as costuras todas à mostra. Não é sequer um rei nu, é uma despudorada nudez de falta de esforço, de cuidado e de análise, tão obscena quanto atrevida. Mas segue e campeia, e faz até escola. Se acharem que não é público e notório, tenho provas, várias. Quem não tem? Só quem estiver distraído, ou quem – fechando os olhos num mar corrido a bom com distinção ou muito bom, ou surdo no ruído do aplauso ou no receio da vozearia crítica – não quiser ver.

Já há uns anos (em 2014), escrevi um texto chamado “Um Nobel para o Copy & Paste”. Nada mudou, a não ser para pior. Para aí remeto, também eu (há que aprender, não é?) copiando, cortando e colando. Não é por falta de atenção ou de assunto, é porque me revejo – agora em superlativo – no que então escrevi. Digamos que me cito a mim mesmo, nem sequer copio outros ou neles me respaldo. É uma questão, como sói dizer-se (às vezes para poupar trabalho), de “economia processual”. E, apesar de tudo, são as minhas palavras, e espero não me enganar nas costuras, não trocar nomes de visados, não confundir argumentos, não colar no lugar errado, não copiar outro texto sobre diferente assunto; e, já agora, espero também acertar na formatação. É o mínimo, não é?

Escrevi: “O copy & paste faz mais pela paz do que qualquer estadista, qualquer estrela solidária ou qualquer personagem de boa intenção. O copy & paste pacifica como ninguém, pois, ao concordar e reproduzir, apazigua, acarinha e conforta. Requereste tu assim ou assado ou decidiste tu desta ou daquela forma? Pois eu, carregando no botão, digo que sim, que está bem e que tudo fique como está e bem haja. E passemos adiante, que o tempo urge, e há mais para copy e para paste. E também se justificaria o Nobel da Literatura, pois, como é sabido, a literatura é memória e reinvenção mas, como os tempos não estão para criatividades, não há nada melhor que reproduzir, carregando no botãozinho com singeleza e amor, as palavras grandes que antes foram escritas, sobretudo se sob a forma de requerimento bem achado ou de sentença que agradou, urbi et orbi de preferência. E tudo isso com rapidez e eficácia e poupando esforços e palavras, o que justificaria, também, o Nobel da Economia. Há coisa mais económica do que um inspirado copy & paste? Se está dito, está dito. Porquê complicar? Do que precisamos é de coisas rápidas, limpinhas e eficientes. Mais do que isso é excesso e manobra dilatória. Francamente, não percebo como os prémios Nobel têm ignorado isto. E ainda menos percebo que se diga que a justiça está mal. Só se for onde e quando não se recorre ao copy & paste, essa instituição repetidamente injustiçada”.

Seis anos depois, impõe-se definitiva e entusiasticamente o Nobel, seja o da Paz, o da Literatura ou o da Economia. Ou todos juntos. Óbvio, um óbvio ululante (como diria o outro). Olhemo-nos nos olhos. Não façamos de conta. Ao menos uma vez. Pode ser? Façam favor. Rectius, façam-me e façam-vos o favor. E não é ironia. É só cansaço, e é desgosto. Um e outro não vendem bem, não senhor, não dão grande aplauso, também não. Mas é o que tenho para oferecer, com saudades do futuro (como diria um outro), e para não dizer mais por ora.