Passaram 45 anos.
Nessa manhã do dia 10 de novembro de 1975, Luanda acordava ainda cansada de uma noite mal dormida, despertada pela claridade do alvorecer.
A manhã quente e húmida do novembro africano ajudou a um despertar hesitante e receoso.
A cidade de asfalto era agora grande demais. Enorme e silenciosa. Um silêncio que se espalhava também pelos musseques, os grandes bairros periféricos de barracas com tetos de zinco, assentes em chão de areia vermelha, onde a população africana aguardava ansiosamente pelo final do dia.
O tempo arrastava-se. Parecia que todos os relógios tinham perdido os ponteiros.
O dia 10, o último de um ciclo imperial de séculos, corria lento em Luanda, cidade fantasma, estranhamente silenciosa, agora sem o barulho constante dos martelos a bater na madeira dos caixotes da despedida apressada. Dos milhares de caixotes que embalaram os restos de vidas em desespero e em fuga.
O martelar de meses, que já entrara nas consciências e que fazia parte da vida da cidade, calara-se de vez. Agora, aquele silêncio pesado dos últimos dias, que era o único ruído que entrava pelas portas e janelas e que enchia as ruas desertas, era substituído pelo clamor cadenciado do rebentamento de obuses.
Os rebentamentos, que faziam estremecer os vidros das janelas, ouviam-se com nitidez. A pouco mais de duas dezenas de quilómetros de uma Luanda cercada, vivia-se uma batalha que, de ambos os lados, tocava as raias do desespero.
No final do dia, apesar de tudo, num pequeno largo da cidade, uma nova bandeira subiu num mastro que simbolizava um povo.
O país nasceu de um parto difícil, sangrento, e assim cresceu também.
Passados os primeiros anos, de regresso a Portugal, conheci alguns dos homens que, também em novembro desse ano de 1975, mas a 25, protagonizaram a viragem irreversível do país para a democracia plena.
Portugal regressara à sua dimensão europeia. Ao mesmo tempo, optava pelo livre-arbítrio, enfim, pela democracia.
Quer Angola quer Portugal, de maneiras muito diferentes, enfrentaram e ainda enfrentam enormes desafios, agora como iguais.
Na verdade, todos nós temos o nosso novembro. Que ele seja sempre um sinónimo de liberdade.
Jornalista