Os lares estão a registar mais casos de covid-19 nesta vaga da epidemia, havendo neste momento mais idosos institucionalizados infetados do que no pico da epidemia em abril. Perante o aumento de infeções em idosos ao longo das últimas semanas, mais de 15 mil casos acima dos 70 anos desde o início do mês, o i tinha solicitado um ponto de situação à Direção-Geral de Saúde e ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela o setor, uma vez que desde de outubro que não era disponibilizada informação sobre o número de pessoas infetadas em lares e estruturas residenciais de terceira idade. O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não respondeu até ao momento, mas a DGS esclareceu ontem que na última segunda-feira, 22 de novembro, havia 4114 utentes infetados em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI). São três vezes mais do que no último balanço conhecido em outubro, quando havia 1400 casos ativos de covid-19 em lares, e um universo que agora ultrapassa largamente o pico de infeções registado em abril.
Na primavera, revelaram as autoridades, no momento de maior incidência de covid-19 nos lares foram sinalizados 365 surtos e 2512 utentes infetados. Até setembro, a DGS tinha sinalizado 4700 casos de infeção em lares, pelo que o balanço ajuda a perceber o aumento da incidência que se viveu também nas instituições ao longo das últimas semanas, não tendo sido disponibilizados o total de casos registados desde o início do mês mas apenas os que se encontram ainda numa fase ativa da doença.
Portugal tem 2526 lares para idosos nos quais estavam institucionalizadas no verão cerca de 99 mil pessoas, pelo que é possível estimar que, em função dos casos conhecidos, neste momento a covid-19 afeta cerca de 4% dos idosos que residem em lares. Uma realidade que representa um universo pequeno face aos idosos institucionalizados, mas que mostra ao mesmo tempo uma incidência da doença muito superior à que existe no resto da população. O país registava ontem 80 528 casos ativos de covid-19 (pessoas que estão a recuperar da doença e ainda não tiveram alta), o que atendendo aos 10 milhões de habitantes resulta uma incidência em cerca de 0,8% da população portuguesa. Esta semana, a DGS tinha indicado que havia 182 surtos sinalizados em lares, menos do que os sinalizados em abril. Na altura foram no entanto rastreados todos os utentes de lares do país, sendo que a DGS anunciou esta semana que vai avançar com a Segurança Social um projeto de testagem sequencial nos lares com os testes rápidos.
25% das vítimas mortais
Desde o início da epidemia os idosos residentes em lares representaram cerca de 30% das vítimas mortais de covid-19 no país. A DGS indicou ao i que, desde o início do mês e até à última segunda-feira, registaram-se em Portugal 362 óbitos de pessoas residentes em lares (óbitos ocorridos dentro dos lares ou em hospitais). Os idosos que viviam em lares representam assim até ao início desta semana 25% das mortes relacionadas com a epidemia este mês, pelo que a maioria das vítimas, idosos, não estão identificadas como utentes de lares. Não foi indicada mais informação sobre os contextos em que é mais comum o contágio das pessoas mais velhas, com maior risco de desenvolver quadros graves e maior índices de letalide associada à infeção. Novembro passou já as 1500 mortes por covid-19, com o total de mortes desde o início da epidemia a passar agora já as 4 mil. Abril tinha sido o mês com mais vítimas mortais associadas à pandemia, com 820 mortes.
Faltam recursos humanos
Ricardo Pocinho, presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social (ANGES), que na última semana, quando não havia informação atualizada sobre surtos e idosos infetados em lares alertou para uma situação de descontrolo da epidemia e maiores dificuldades de resposta no setor face à falta de recursos humanos, sublinha ao i que este continua a ser o maior problema, defendendo que mais que o número de infetados, a assistência é determinante.
O dirigente e investigador nesta área sublinha que era inevitável o aumento de casos nas instituições, dado que, ao contrário do que aconteceu na primeira fase da epidemia, o país não “parou”. O revés seriam maiores necessidades de assistência e é aí que insiste que falhou o reforço das instituições. “Em contínuo temos lutado contra uma pandemia. A primeira vaga, como se resolve intitular, é um acontecimento em que o Governo determinou o encerramento das pessoas em causa e colocou de alguma forma os trabalhadores destas estruturas confinados nestes espaços. A partir do momento em que nós vivemos esta pandemia de uma forma diferente, com livre circulação de pessoas, com os trabalhadores a irem felizmente dormir às suas casas, estarem com os seus filhos, que vão à escola, temos um segundo momento absolutamente diferenciado em que as pessoas fazem uma vida mais ou menos normal, o que naturalmente tem impacto”, diz Ricardo Pocinho. “Nos lares, o problema é que continua tudo igual. Quanto mais crescermos em número de infeções, a situação nos lares será sempre pior. Vieram a ser notícia pelo pior motivo e o problema resume-se sempre ao mesmo: falta de recursos humanos. Nada foi feito de fundo nessa dimensão. Por isso não temos nada que nos permita estar a viver esta situação de forma mais tranquila”, defende, reforçando que um dos desafios continua a ser tornar o trabalho em lares atrativo e garantir o reforço das equipas: “Enquanto não olharmos para estes profissionais como profissionais de alta necessidade, porque muitas pessoas sem estes profissionais ficam ao abandono, não resolvemos o problema.”
Uma proposta feita já esta semana pela Associação Nacional de Gerontologia Social, numa carta dirigida ao Presidente da República, ao Governo e aos grupos parlamentares, é que os colaboradores das IPSS passem a ter acesso à ADSE, considerando que são trabalhadores “em fins públicos” e que cumprem “com a realização de tarefas que caberiam ao Estado, sendo, nestes tempos e em todos os outros, os melhores parceiros do SNS”.