Lisboa, 15h30. Pese a pandemia, no local e hora assinalados, são esperados milhares de manifestantes que vão cerrar fileiras diante das escadarias da Assembleia da República para aquela que se prevê ser a maior ação de protesto organizada pelo movimento “A Pão e Água”, até ao momento. O grupo volta a sair às ruas para exigir do Governo mais apoios para os setores dos restaurantes, bares e discotecas, mas agora também a “devolução” dos horários de funcionamento dos estabelecimentos, nomeadamente os restaurantes, impedidos de trabalharem durante o recolher obrigatório decretado para os próximos fins de semana e feriados (a partir das 13h00).
Aquilo que começou por ser um movimento setorial, galgou fronteiras, para, hoje, tornar-se um corpo que une “todas as atividades económicas que se viram afetadas por esta crise”, nas palavras de José Gouveia, empresário ligado ao setor da diversão noturna, e um dos porta-vozes do grupo (a par com o chef Ljubomir Stanisic). Através de mensagens pelo Whatsapp, a que o i teve acesso, os organizadores lançam um apelo à mobilização da “restauração, noite, pequeno comércio, cultura, turismo e hotelaria” e a “todos aqueles que se quiserem juntar” ao protesto.
Perante o aumento da contestação, face às restrições anunciadas pelo Governo nas últimas duas semanas, é provável que este protesto reúna mais manifestantes que as ações realizadas anteriormente no Porto, Lisboa (Rossio) e Faro. O facto de existirem grupos de cidadãos que se têm vindo a unir a estes protestos – como aconteceu na ação do Rossio, onde dezenas de membros do movimento “Marcha Pela Liberdade” se juntaram aos manifestantes – não permite, neste momento, antever um número de participantes, que, ainda assim, deverá ascender aos vários milhares.
A radicalização da luta
A duração do protesto é outra incógnita, uma vez que os líderes do movimento estão preparados para radicalizar a luta. O i apurou que alguns dos empresários consideram que este é o momento decisivo para assumirem uma posição de força perante o Governo. Para tal, os proprietários estão a ponderar iniciar uma greve de fome, que se manterá até o primeiro-ministro António Costa ou o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, aceitarem reunir com os líderes do movimento. Quem iniciar a greve de fome vai também pernoitar em frente às escadarias do Parlamento, onde já se encontram camas improvisadas para o efeito.
Os preparativos da manifestação têm sido acompanhados de perto pela PSP que, ontem, ao início da tarde, teve uma última reunião com os organizadores, onde ficaram acertados os últimos pormenores. O objetivo passa por tentar manter as medidas para a prevenção da doença – como o uso de máscaras e o distanciamento social – e evitar focos de violência, como os que ocorreram, pontualmente, nos protestos realizados no Porto.
A organização disponibilizou autocarros gratuitos para quem quiser deslocar-se à capital, com saídas de praticamente todas as regiões do país. No decorrer desta semana, as inscrições para transporte desde o Porto, Vila Real, Vale do Sousa, Aveiro e Coimbra mantinham-se abertas, mas os últimos lugares terão ficado preenchidos nas últimas horas. Ontem, foi confirmado que vai viajar um autocarro com empresários vindo do Alentejo, uma das poucas zonas do país que ainda não tinha confirmado a presença.
Entretanto, o movimento “A Pão e Água” reservou um outdoor diante da Assembleia da República, que está preparado para dar as boas-vindas aos manifestantes. “Enquanto não nos derem ouvidos nós damos luta”, lê-se no cartaz, direcionado para o Governo e virado para a casa do deputados. Também aqui foi a boa-vontade de todos os participantes que permitiu alugar o espaço publicitário.
críticas à luta As principais exigências ao Governo para apoiar o setor da restauração, bares e discotecas feitas pelo movimento “A Pão e Água” têm sido lançadas, nos últimos dias, por Ljubomir Stanisic. As reivindicações têm sido resumidas em três itens fundamentais e universais: a suspensão da Taxa Social Única (TSU) e a descida do IVA em 2021 e a suspensão do pagamento à Segurança Social até junho do próximo ano.
A solução não parece reunir o consenso de todos. Uma das vozes que se levantou para criticar a solução foi a de João Cepeda, responsável pela revitalização do Mercado da Ribeira – um dos espaços de restauração mais emblemáticos da capital –, que, em artigo de opinião assinado no Jornal de Negócios, deixa duras críticas aos lideres do movimento e às medidas exigidas. “A bem dos milhares de famílias dependentes da restauração era importante que quem dá a cara por estas causas se focasse nos resultados e não tanto nos likes”, escreve.
João Cepeda vai ainda mais longe afirmando que “é preciso estabelecer diferenças entre os negócios do setor”. “O critério desse apoio tem de ser desproporcionalmente proporcional às perdas, ou seja, dando prioridade aos negócios que perderam mais de 70% ou 80% de faturação, porque é a partir dessa linha vermelha que a sobrevivência passa a estar dependente da sorte. É triste dizer isto, mas quem perdeu 20, 30 ou 40% está numa situação de privilégio e terá de ser preterido em função de quem mais perdeu”, afirma.
O homem da Time Out refere ainda que “não faz sentido partir para esta guerra misturando hotéis, restaurantes, bares e discotecas (…) enfiado no mesmo saco”. “Como não faz sentido tratarmos restaurantes de bairro com restaurantes do centro de Lisboa e do Porto”, conclui.