Desertificadas por acção de um inimigo invisível, talvez que a pandemia tenha bastado para o reconhecimento da importância da qualidade nas cidades, das vilas e aldeias como absoluto espaço de convivência e alternância ao conforto ou falta dele na zona intra-muros do habitat das famílias.
Nos eternos confinamentos dos nossos dias, chegou a hora de também detectarmos na angular do sentimento urbano, a tristeza das nossas cidades, enquanto espaço habituado a ser habitado e não qual “after day” da ordem para confinar, que deixa praças e avenidas sem o bulício da máquina e do homem.
Por estes dias na minha cidade, a Alameda Europa e a Avenida maior de Pêro da Covilhã, não escondem a tristeza da falta de animação e bulício.
E o seu rampeado tão inerente a uma orografia de montanha, todavia não deixa de reafirmar a cada passo o convite ao alcance do topo das Penhas da Saúde de onde se descobrem os horizontes da Malcata e da Gardunha.
Já as cegonhas no topo dos postes do IP próximo do Parque de Ciência e Tecnologia, estranharão a ausência dos olhos que perscrutam a beleza da criação e reprodução em ninhos monumentais de homenagem à criatividade natura.
Podem as cidades sentir o seu abandono por estes dias?
Sem dúvida, quando as suas plataformas de encontro e desencontro, os cafés e escritórios, as esplanadas e salões de beleza se encerram por causa do vírus que obriga à rarefação obrigatória de quem anima as cidades.
Há uma malha de convivência civilizacional que a Cidade entretece, afirmando um relacionamento inseparável da rede de contactos sociais e humanos.
Esta circunstância, é portadora de uma ideia de Marshall aquando do lançamento do seu plano na Europa, recuperando uma ideia económica de séculos: “Todas as nações ricas têm cidades” em expressão urbana plena e vigorosa e na sua fortaleza económica, preferencialmente transformadora.
Neste conspecto se admita que uma política para as cidades é inseparável do processo de desenvolvimento integrado de uma área de afirmação qualitativa, nas suas bases produtivas, no lazer e na vivência cultural.
Portugal durante o antigo regime, desconfiava das cidades.
Enquanto a Espanha apostava em habitats aglomerados sendo hoje vulgares realidades urbanas de 200/300 mil pessoas, com a decorrência proporcional de núcleos industriais, comerciais, estudantis, culturais, em Portugal a realidade é bem diferente.
Porto e Lisboa têm perdido população e os pouquíssimas centros urbanos que se reforçaram, como Oeiras, Braga ou Aveiro, são a excepção.
Importa por isso reconhecer a importância do reforço de políticas para as cidades, na continuação de Programas como o Prosiurb e Polis de enorme importância na melhoria do tecido urbano que se verificou nos últimos anos.
As cidades, vilas e aldeias da pandemia, são afinal aquele pedaço de terra, que não escolhemos ao nascer mas são indesligáveis da vida e percurso de cada qual.
Pensava nisto e num ápice surgiram então em pinceladas poéticas e afectivas a minha cidade, que um dia o Marquês destinou para acolher a Real Fábrica dos Panos e Frei Heitor Pinto, considerou para escrever “Imagens da Vida Cristã”:
Um dia ainda te encontro,
Quando a neve no socalco,
Chamar por mim ao teu palco,
E aí fizermos o ponto…
Da vida em balanço feliz,
Quiçá em mágoas, anelos,
Dos amores, cartas sem selos,
Dos encontros por um triz…
Então subirei ao teu alto,
Para te ver cara a cara,
Saber dessa beleza rara,
Desse perfeito montalto…
Depois descerei lá abaixo,
Onde teu regaço cresceu,
De júbilo todo meu,
Onde a serra virou sacho…
Hoje realizada e feliz,
Por tantos que te amaram,
Sei-te madre, padre, petiz,
Nos laços que te deixaram.
Mas um dia ainda te encontro,
Uma hora, um tempo, um momento,
Em que na noite se faz vento,
Pró tempo do eterno ponto…
Então Covilhã-Cidade,
Em amplexo longo e terno,
Selaremos o fraterno,
Pacto para a eternidade…
Jurista