Antes das eleições regionais dos Açores comentei com dois amigos que o resultado das mesmas marcaria uma viragem total no que respeitava à força da esquerda e da extrema-esquerda em Portugal, bem como dos cenários de governação à direita.
Um desses meus amigos disse-me que considerava garantido que o Chega não elegeria deputado algum. O outro, mais comedido, não por sincera convicção, mas antes por mero respeito pessoal, disse que talvez elegesse, mas que tudo continuaria na mesma.
Aferidos os resultados, acabaram os dois a ligar-me a dizer que tinha razão.
No entanto, nem todos parecem ter a simples capacidade de admitir o óbvio, bastando ver que todos os analistas políticos, não sendo novamente sérios, insistem em negar que o Chega se tornará em breve o terceiro maior partido português e que não haverá qualquer possibilidade de se governar à direita sem a sua presença.
Perdi a conta aos paladinos da verdade que, durante esta semana e um pouco por todos os meios de comunicação social, vieram dizer que o PSD tinha vendido a alma ao diabo.
António Costa, José Luís Carneiro, o imperial Carlos César, Catarina Martins, Marisa Matias, Jerónimo de Sousa, representantes do PAN, o ministro Santos Silva em plena AR, grande parte dos medíocres comentadores de programas pseudopolítico-humoristas, enfim, todos os artistas do costume.
Até aqui, tudo normal.
Mas espantoso foi quando a estes se juntaram também, pasme-se, alguns nomes que se dizem de direita mas que, toda a sua vida, a única coisa que fizeram por ela foi destruí-la. Quão cómico foi ver Poiares Maduro e José Eduardo Martins mascararem rivalidades internas no PSD com desacordo tático-político. Quão engraçado é observar como as pessoas se movimentam na política, a forma bífida e pífia com que tomam determinadas posições.
Dentro do PSD (e note-se que a mim não me cabe defendê-lo, estando antes a constatar factos) chega a ser confrangedor ver a forma como alguns dos que sendo anti-Rio (e, muitas vezes, bem) o criticavam por ter virado à esquerda são agora os mesmos que, ao vê-lo ganhar finalmente juízo, o vêm criticar por sentirem que desta forma não conseguirão correr com ele do partido e ter novamente o caminho aberto para controlarem o PSD.
Tudo isto é verdadeiramente patético. Desde a insistência no que respeita ao Chega ser de extrema-direita, passando pelas críticas que agora fazem ao Chega dizendo que este cedeu aos partidos do sistema (quando, na verdade, não cedeu, atendendo a que não só não fará parte do Governo dos Açores como, a qualquer momento, se o PSD falhar no acordado, poderá recuar e inviabilizar qualquer medida), até aos pedidos de explicações da esquerda ao PSD pelo acordo que fez, é tudo absoluta e rigorosamente ridículo.
Só compreensível num país de faz-de-conta onde quase todos vivem a fazer teatro e onde, tal como um dia disse Shakespeare, até “o diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém”.
O diabo, admitam se forem sérios, não é o Chega.
O diabo é este sistema podre e bafiento e os seus diabretes, todos os nomes que citei mais os que poderia ter citado.
Mentalizem-se: não será possível governar à direita sem o Chega.
Escreve à sexta-feira