Numa semana em que o Ministério da Saúde deu orientações aos hospitais para ativar planos de contingência e suspenderem atividade programada em função das necessidades, e para responderem em rede, Jorge Almeida, diretor do serviço de Medicina Interna do Hospital de São João, o maior do país, ajuda a perceber o que se antecipa e os desafios dos próximos meses. Nos invernos não há só mais infeções respiratórias, há mais doentes crónicos que descompensam com o frio. Não tem dúvidas que irão aparecer, num ano em que não se abrem mais cem camas da mesma forma do que nos invernos passados. As condições sociais, que poderão agravar-se, e de retaguarda são as variáveis que não se controlam dentro de um hospital. A Segurança Social tem estado nas últimas semanas a agilizar a resposta a casos sociais, que todos os anos ocupam às centenas os hospitais do país. No serviço de Jorge Almeida, chegou a haver 30 doentes que já podiam ter tido alta clínica. Alguns permaneceram no hospital dois e três anos.
Que ambiente se vive neste momento no hospital?
Por um lado podemos dizer que a pressão é menor do que no início da epidemia, porque na altura estávamos mais sozinhos. Neste momento todos os hospitais respondem a doentes com covid-19. De dia para dia aqui no Norte fomos sentindo um aumento explosivo de casos. Há uma contaminação global que impactou os hospitais na região, que estão a passar um mau bocado. Isto era mais ou menos previsível e foi o que antecipámos quando fizemos os planos em maio, mas o que sabíamos também desde essa altura era que quando chegássemos aqui, os outros doentes também iam cá estar.
Esse é o desafio, não parar atividade?
Nesta altura é impossível parar a vinda das pessoas com outras doenças. E da outra vez também é preciso dizer que não parámos. Parou cirurgia programada, mas em internamento e na parte médica havia capacidade de resposta, mas as pessoas não vieram. Fruto do receio de algum alarmismo, as pessoas fugiram dos cuidados de saúde.
Tem receio que isso possa acontecer?
Tenho a certeza que não vai acontecer, mas é por isso que neste momento temos mais dificuldades. Termos doentes covid e não covid exige uma grande organização do espaço. Tenho 209 camas de enfermaria. Neste momento tenho 58 camas alocadas à covid-19. Nesse setor, não posso ter outros doentes. E esse setor ocupa mais espaço e consome mais temo do que o outro, onde hoje tenho 100 doentes e no início da epidemia tinha uma ocupação de 20% a 30%. As equipas que vão ver doentes covid e não covid saem do mesmo serviço e os doentes com covid demoram um pouco mais tempo a ver. Não que a doença seja má, mas porque tem limitações de etiqueta respiratória, colocar e tirar o equipamento de proteção individual e tudo isso são condicionantes. E portanto percebe-se que aumentando doentes, a certa altura não conseguimos esticar para todo o lado.
Foi nesse sentido que viu o despacho publicado esta semana?
Para mim o despacho foi lógico. Neste momento tenho aqui 58 doentes covid. Se vier uma pessoa com outra doença, tenho capacidade de internamento. Mas pode chegar a um momento em que temos de colocar os doentes na área de cirurgia. Quando puser muitos doentes na cirurgia, a atividade eletiva ou programada de cirurgia tem de diminuir.