“Para ali não mandaram senão empregados incapazes…”


Era assim que, em 21 de março de 1852, falava no Parlamento o deputado por Arganil Vicente Ferrer Neto Paiva.


“Eu sou um dos que se têm conservado na ideia de que o Tribunal de Contas não tem cumprido o seu dever. Esta opinião é a geral, tenho-a ouvido constantemente, e a ninguém tenho ouvido uma palavra em defesa desse Tribunal… Sabemos hoje que o Tribunal de Contas foi organizado como se poderia organizar o Hospital de Runa: para ali não mandaram senão empregados incapazes e algum que escapou pela malha foi depois tirado para outras repartições…”

Era assim que, em 21 de março de 1852, falava no Parlamento o deputado por Arganil Vicente Ferrer Neto Paiva, comparando o Tribunal de Contas com o caótico Hospital da Runa, edificado uns anos antes para tratamento e asilo de inválidos militares.

Receio bem que, passados 170 anos, o funcionamento do Tribunal de Contas tenha sido aferido pelo mesmo padrão…

Sabendo-se que as “contas certas” se tornaram dogma incontestável da governação, só um Tribunal de Contas formado por empregados incapazes poderia cair na heresia de o contrariar. Mas foi isso mesmo que aconteceu quando classificou a Conta Geral do Estado de 2018, a última analisada, como viciada por “erros materialmente relevantes” e marcada por contínuas “situações de desrespeito de princípios orçamentais, incumprimento de disposições legais que regulam a execução orçamental e insuficiências dos sistemas de contabilização e controlo”. E, face ao incumprimento de princípios de “legalidade, correção financeira e controlo interno”, concluiu que a conta é “um relatório “incompleto” e “com erros”.

Conclusão esta só mesmo obra de empregados incapazes…

Também em recente apreciação ao Código de Contratos Públicos, o tribunal criticou as alterações preconizadas: passando “a exceção a ser a regra”, aumentam as probabilidades de “conluio, distorção da concorrência, cartelização e corrupção na contratação pública”.

Advertências só possíveis de entender num tribunal organizado à imagem do velho Hospital da Runa…

E se, em 1852, esse inapto tribunal acusava que “as administrações passadas não têm dado os esclarecimentos pedidos… que faltam três mil e tal declarações para satisfazer… que não têm resolvido as consultas… nem as requisições que tem feito…”, também o atual incapaz tribunal se queixa de falta de informação como, mero exemplo, a necessária para avaliar os impactos orçamentais das medidas de combate aos efeitos da pandemia.

Persistindo maledicências de teor semelhante, claro que os poderes públicos teriam de intervir sobre quem, destituído do mais elementar sentido patriótico, produzia assim relatórios que tanto minavam o prestígio do Governo e a sua credibilidade no plano interno e externo. Mas fazendo-o com sensibilidade e bom senso, excecionando alguma rara nomeação que tivesse escapado pela malha dos incapazes e que era justo defender e tirar para outras repartições.

E foi assim, separando o trigo do joio e como forma de proteger a sua reputação, que o presidente do Tribunal de Contas foi afastado das suas funções – também oportunidade única de, na cerimónia de despedida, o P.R. realçar publicamente a “gratidão nacional” que lhe era devida por “ter superado todas as muitas elevadas expetativas de há quatro anos”. O que, obviamente, nunca poderia acontecer se continuasse a presidir a uma instituição de incapazes, organizada à moda do Hospital da Runa.

Quanto aos incapazes que por lá ficam, certamente que uma acelerada formatação lhes vai conceder rapidamente o dom da sabedoria…

 

P.S.: Gerido à moda do Hospital da Runa em 1852 está o Ministério da Saúde em 2020. Festa nas televisões, caos no SNS. Cidadãos a morrer por falta de consultas e cirurgias quando, ali ao lado, a capacidade disponível no setor privado e social é rejeitada pela ideologia da saúde pública. O absurdo de uma saúde pública que renega a saúde individual.

Mais provas de que para ali não mandaram senão dirigentes incapazes?

 

Economista e gestor
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”
pcardao@gmail.com

 


“Para ali não mandaram senão empregados incapazes…”


Era assim que, em 21 de março de 1852, falava no Parlamento o deputado por Arganil Vicente Ferrer Neto Paiva.


“Eu sou um dos que se têm conservado na ideia de que o Tribunal de Contas não tem cumprido o seu dever. Esta opinião é a geral, tenho-a ouvido constantemente, e a ninguém tenho ouvido uma palavra em defesa desse Tribunal… Sabemos hoje que o Tribunal de Contas foi organizado como se poderia organizar o Hospital de Runa: para ali não mandaram senão empregados incapazes e algum que escapou pela malha foi depois tirado para outras repartições…”

Era assim que, em 21 de março de 1852, falava no Parlamento o deputado por Arganil Vicente Ferrer Neto Paiva, comparando o Tribunal de Contas com o caótico Hospital da Runa, edificado uns anos antes para tratamento e asilo de inválidos militares.

Receio bem que, passados 170 anos, o funcionamento do Tribunal de Contas tenha sido aferido pelo mesmo padrão…

Sabendo-se que as “contas certas” se tornaram dogma incontestável da governação, só um Tribunal de Contas formado por empregados incapazes poderia cair na heresia de o contrariar. Mas foi isso mesmo que aconteceu quando classificou a Conta Geral do Estado de 2018, a última analisada, como viciada por “erros materialmente relevantes” e marcada por contínuas “situações de desrespeito de princípios orçamentais, incumprimento de disposições legais que regulam a execução orçamental e insuficiências dos sistemas de contabilização e controlo”. E, face ao incumprimento de princípios de “legalidade, correção financeira e controlo interno”, concluiu que a conta é “um relatório “incompleto” e “com erros”.

Conclusão esta só mesmo obra de empregados incapazes…

Também em recente apreciação ao Código de Contratos Públicos, o tribunal criticou as alterações preconizadas: passando “a exceção a ser a regra”, aumentam as probabilidades de “conluio, distorção da concorrência, cartelização e corrupção na contratação pública”.

Advertências só possíveis de entender num tribunal organizado à imagem do velho Hospital da Runa…

E se, em 1852, esse inapto tribunal acusava que “as administrações passadas não têm dado os esclarecimentos pedidos… que faltam três mil e tal declarações para satisfazer… que não têm resolvido as consultas… nem as requisições que tem feito…”, também o atual incapaz tribunal se queixa de falta de informação como, mero exemplo, a necessária para avaliar os impactos orçamentais das medidas de combate aos efeitos da pandemia.

Persistindo maledicências de teor semelhante, claro que os poderes públicos teriam de intervir sobre quem, destituído do mais elementar sentido patriótico, produzia assim relatórios que tanto minavam o prestígio do Governo e a sua credibilidade no plano interno e externo. Mas fazendo-o com sensibilidade e bom senso, excecionando alguma rara nomeação que tivesse escapado pela malha dos incapazes e que era justo defender e tirar para outras repartições.

E foi assim, separando o trigo do joio e como forma de proteger a sua reputação, que o presidente do Tribunal de Contas foi afastado das suas funções – também oportunidade única de, na cerimónia de despedida, o P.R. realçar publicamente a “gratidão nacional” que lhe era devida por “ter superado todas as muitas elevadas expetativas de há quatro anos”. O que, obviamente, nunca poderia acontecer se continuasse a presidir a uma instituição de incapazes, organizada à moda do Hospital da Runa.

Quanto aos incapazes que por lá ficam, certamente que uma acelerada formatação lhes vai conceder rapidamente o dom da sabedoria…

 

P.S.: Gerido à moda do Hospital da Runa em 1852 está o Ministério da Saúde em 2020. Festa nas televisões, caos no SNS. Cidadãos a morrer por falta de consultas e cirurgias quando, ali ao lado, a capacidade disponível no setor privado e social é rejeitada pela ideologia da saúde pública. O absurdo de uma saúde pública que renega a saúde individual.

Mais provas de que para ali não mandaram senão dirigentes incapazes?

 

Economista e gestor
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”
pcardao@gmail.com