1. Da exigência de mudança de comportamento dos cidadãos
A pandemia surgiu num tempo e numa sociedade de glorificação do individualismo. Esse espírito tem-se materializado num comportamento atomista, no autocomprazimento aditivo, na ideia de que qualquer pessoa se basta a si mesma – desde que tenha um smartphone – e está livre de qualquer constrangimento ou ordem social vigente.
Esta atitude radical – que não pode ser confundida com a predisposição individualista clássica, essencial na criação de uma economia mais próspera, no avanço do espírito crítico e de uma sociedade mais livre – não está a ajudar ninguém.
Diria mesmo que esse grande equívoco da liberdade sem regras, materializado na recusa de uso de máscara ou na promoção de ajuntamentos de cariz lúdico, desportivo, político ou qualquer outro, é a maior arma da covid-19 contra a nossa sociedade.
Portugal continua a registar taxas de infeção altíssimas e o número de óbitos disparou. O SNS está à beira do colapso. O pessoal médico está exausto. As empresas têm a corda ao pescoço, muitos perderam rendimento, ao ponto de já terem dificuldades de colocar comida na mesa. Enquanto a vacina não chega, há uma única cura para a covid-19: uso de máscara, distanciamento físico e higienização das mãos.
Como é que continuamos a infetar-nos aos milhares? A triste verdade é que ainda há demasiadas pessoas que não querem saber. Não querem saber de si nem dos outros.
Recusam mudar comportamentos ou porque se acham imbatíveis ou porque convocam o falacioso argumento da liberdade ilimitada. Estas pessoas precisam de perceber que a liberdade sem responsabilidade não existe. Como bem prova, aliás, o assalto às liberdades promovido pelos poderes públicos: quanto menor for o autocontrolo dos cidadãos, maior será a fatia de liberdade capturada pelo Estado. O Estado entra quando a responsabilidade do cidadão sai.
Vivemos num estado de emergência. Não é um tempo qualquer. É um tempo de compromissos, de tradeoffs solidários. Mais de uma coisa pode significar menos de outra.
Tenhamos, por isso, consciência da batalha que nos calhou em sorte. Estejamos à altura das responsabilidades que pendem sobre a nossa geração. E trabalhemos, em conjunto, para que não se tornem regras as exceções agora adotadas.
A mudança de comportamentos dos cidadãos é uma necessidade urgente.
Tudo o que seja minorar riscos é uma obrigação de cidadania.
Tudo o que seja promover a proteção dos nossos concidadãos mais velhos é um dever ético e moral.
Tudo o que seja pensar no “nós” mais do que no “eu” é um sinal de compaixão e de humanidade de que tanto precisamos para vencer este maldito vírus.
Em resumo, os cidadãos têm dois caminhos à sua frente: ou se faz o que está ao alcance do bom senso e da responsabilidade cívica, liberto de coação externa e de mais obrigatoriedades legais; ou se coloca a liberdade sem responsabilidade acima de tudo, abrindo a porta para o pisão do Estado. Tenhamos em mente que, tradicionalmente, o Estado não precisa de muitos motivos para açambarcar mais e mais áreas da nossa vida individual. Não lhe facilitemos a vida. E, sobretudo, não se use e abuse de argumentos supostamente democráticos para fragilizar ainda mais a causa democrata.
Nenhum soldado ganha uma guerra sozinho. O hiperindividualismo é o caminho mais certo para a desgraça pandémica. O espírito de comunidade é a única forma de vencer o coronavírus.
2. Da exigência de mudança de comportamento do Governo
Em tempos de crise há poucas coisas mais relevantes do que saber comunicar, apresentar um caminho sério e um horizonte de recuperação às pessoas. O Governo tem de fazer uma avaliação honesta das suas pouco justificáveis debilidades nesta matéria. Parte da confusão na cabeça das pessoas nasce da falta de clareza e de credibilidade da mensagem oficial. A mudança de comportamento dos cidadãos passa, numa primeira análise, pela mudança de comunicação do Governo e das instituições.
E de que precisa a mensagem das autoridades?
Em primeiro lugar, de consistência. Não pode o Governo nem a DGS privar as famílias de ir aos cemitérios homenagear os seus entes queridos e, ao mesmo tempo, abrir jogos de futebol às claques. Não pode pedir às pessoas que equacionem não se juntar no Natal e, ao mesmo tempo, apoiar 30 mil nas bancadas da F1. A liderança faz-se com bons exemplos e com consistência. Os portugueses não toleram um país com dois sistemas: privilégio para uns, sacrifício para outros.
Em segundo lugar, precisa de pertinência. Não precisa de falar muito. Precisa de dizer o que é importante, com gravitas adequada ao momento que vivemos.
Em terceiro lugar, a honestidade. Há um equilíbrio ténue entre a crueza da verdade e a propagação irracional do medo. É dever de um governante falar verdade tanto como é gerir as expetativas. Há informações que os cidadãos têm de conhecer para fazerem os seus próprios julgamentos e agirem em conformidade. Esconder a verdade das pessoas é infantilizá-las. E o infantilismo político, para além de nada fazer para controlar a pandemia, é mais típico das tiranias do que das democracias.
Por último, em quarto lugar, precisamos de compaixão. A vida tem de continuar. Mas não pode continuar à custa de pura e simplesmente normalizarmos as perdas que vitimaram tantas e tantas famílias no nosso país. Respeito, memória e contenção são precisos mais do que nunca.
Não sabemos muita coisa sobre o coronavírus. Mas sabemos pelo menos uma coisa: que está nas nossas mãos vencer esta batalha. Que não se perca nem mais um segundo. A nossa complacência é a maior aliada do vírus.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira