Numa região remota, montanhosa e rural do Cáucaso, disputado pela Arménia e o Azerbaijão, uma velha guerra transformou-se na guerra do futuro. Por entre trincheiras, tropas mal treinadas e barragens de artilharia ao estilo da Segunda Guerra Mundial, uma frota de drones turcos e israelitas, ao serviço do Azerbaijão, devasta as defesas arménias de Nagorno-Karabakh. Baratos, armados com mísseis e explosivos, os drones destruíram sistemas antiaéreos, tanques e autocarros cheios de soldados, registando os seus últimos momentos em vídeo, para propósitos de propaganda.
As imagens da carnificina estão disponíveis no YouTube, divulgadas pelas forças armadas azeris – alguns vídeos têm mais de meio milhão de visualizações. O Azerbaijão até lançou um bizarro videoclipe de heavy metal, em que uma banda local, fardada, rodeada de tanques, helicópteros e lança-mísseis, glorifica o conflito, numa música chamada ‘Ates’, ou fogo, com uma produção bastante profissional. Já a Arménia lançou um vídeo de um tanque a arder, ao som de música dramática, com um toque de opera de Wagner, num post de Twitter onde que se lia, em inglês: «aniquilação de tanques e pessoal azeri, you shall not pass», ou não passarão, referência à mais famosa deixa da trilogia O Senhor dos Anéis.
Enquanto utilizadores das redes sociais se digladiam em caixas de comentários, nas montanhas acumulam-se baixas aos milhares. É difícil contabilizar os mortos, com ambos os lados a proclamar vitórias e a esconder derrotas. No entanto, não há dúvida que a ofensiva militar do Azerbaijão, financiado por grandes reservas de petróleo, apoiada pela Turquia, claramente leva a melhor face ao antigo armamento soviético da Arménia.
A era dos drones
Na alvorada da era dos drones, poucas semanas depois de 11 de setembro de 2001, com a revelação dos famosos Predator norte-americanos, parecia que esta tecnologia seria reservada a superpotências e dedicada a conflitos assimétricos, contra insurgentes sem poder aéreo.
«O entendimento generalizado entre analistas costumava ser que os drones não teriam grande papel em guerras entre estados, dado serem vulneráveis a fogo antiaéreo», explicou Ulrike Franke, investigador do Conselho Europeu de Relações Internacionais, ao Economist. Contudo, num mundo cada vez mais complexo, definido por muitos pequenos conflitos localizados, rapidamente alguns países ambiciosos se aperceberam do potencial desta tecnologia, como Israel e a Turquia, que desenvolveram as suas próprias frotas.
Este ano, Ancara já mostrara o poder dos seus drones, destruindo centenas de tanques do regime de Bashar Al-Assad, que rumavam a bastiões de rebeldes aliados dos turcos, lançando ainda ataques contra as forças líbias do general Khalifa Haftar. No entanto, talvez o seu maior teste seja Nagorno-Karabakh – até agora, os resultados são estrondosos.
Logo nas primeiras horas do conflito, no final do mês passado, dezenas de sistemas antiaéreos arménios – avaliados em dezenas de milhões de dólares cada – foram destruídos por drones turcos Bayraktar TB2 , que levam mísseis pequenos, mas precisos, e custam uns poucos milhões dólares. Vários drones foram abatidos pela Arménia, mas a nível de custos foi uma operação vencedora para o Azerbaijão, como trocar um peão por um cavalo no xadrez.
Os azeris contam também com os drones israelitas Harop – Israel importa boa parte do seu petróleo do Azerbaijão, estimando-se que em troca lhes tenha fornecido cerca de 60% do armamento azeri. No que toca aos Harop, são uma espécie de míssil teleguiado, com capacidade voar durante horas e despenhar-se contra o alvo, ou regressar à base se não o encontrar. E ainda há toda uma panóplia de drones de reconhecimento, facilitando o trabalho da artilharia.
As vantagens são óbvias. Manter caças e bombardeiros é dispendioso, treinar pilotos demorado e complicado – daí que o Azerbaijão e a Arménia tenham no total umas meras dezenas de aeronaves tripuladas. Já o uso de drones permite bombardeamentos mais agressivos, em áreas onde nunca se arriscaria a vida de pilotos. Quem mais sofre são as populações, sujeitas à imprecisão dos controladores remotos.
«Não os vemos», contou Katarina Abrahamyan, que trabalha na caixa de um supermercado de Nagorno-Karabakh, escondida na cave de uma escola de música. «Nós ouvimo-los», explicou, fazendo zumbidos com a boca, a um repórter do Los Angeles Times.
Talvez a maior fraqueza do programa de drones turco seja a produção em si. «Ainda não conseguimos produzir motores, e, obviamente, não temos uma fábrica de chips, por isso todas as peças inteligentes, todo o software nestes drones tem de ser importado do Ocidente ou da China», notou Atilla Yesilada, uma analista da Global Source Partners, à USA Today. Desde que estalou o conflito Nagorno-Karabakh, o Canadá já se comprometeu a não vender mais peças essenciais ao fabrico de drones Bayraktar TB2 a Ancara.
Ainda assim, «é fácil criar alternativas, essa é a coisa mágica da tecnologia de drones», argumentou Mevlutoglu, uma analista turco, à revista norte-americana. «A tecnologia para desenvolver drones sofisticados está a ficar ainda mais barata e acessível a cada dia que passa, a cada vez mais países».
Frustração e Jerusalém
O conflito em Nagorno-Karabakh escalou no último mês, após a chegada das forças turcas, mas não é uma guerra de hoje. Vem dos últimos suspiros da União Soviética, em 1991, quando as recém-nascidas Arménia e Azerbaijão disputaram a região. O resultado foram 30 mil mortos, um Governo separatista arménio não reconhecido internacionalmente, e mais de um milhão de deslocados, sobretudo azeris, ansiosos pelo regresso a suas casas.
«Para nós, a guerra nunca acabou», disse uma jornalista azeri, Khadija Ismayil, ao Guardian. «Isto é acerca de pessoas comuns que sofreram nos últimos 30 anos, vítimas da uma ocupação e da dureza da vida de refugiado». Já para os arménios, cujos líderes políticos são em boa parte oriundos do enclave, «a sua independência é inseparável de Nagorno-Karabakh, é a Jerusalém da Arménia», explicou Thomas de Waal, um jornalista especializado na região, ao Economist.
Para o resto do mundo, Nagorno-Karabakh parece um pedaço de montanha sem valor. Contudo, olhando para as ricas reservas petrolíferas do Mar Cáspio, vemos que só há duas rotas possíveis até à Europa. Uma a norte, através da Rússia; a outra através de um oleoduto que segue para oeste, muito próximo de onde combatem azeris e arménios. A sua rutura minaria os sonhos de independência energética da Europa face ao Kremlin, que vende armas tanto ao Azerbaijão como à Arménia, e observa o conflito com atenção.
Voltar para casa
Mesmo com a superioridade tecnológica que que lhe dá a sua frota de drones, não é certo que o Azerbaijão leve a melhor. Neste momento, o maior aliado dos separatistas arménios é o mesmo de sempre, as montanhas.
Afinal, há anos que as tropas arménias se preparam para este momento. «Tens alvos preparados, coordenadas exatas, grelhas. Eles sabem onde carregar para que o primeiro tiro de morteiro ou artilharia que disparem caía exatamente no alvo», descreveu Rob Lee, investigador do King’s College, em Londres, à Al Jazira. «Numa guerra, quando quebras a linha da frente, podes explorar essa fraqueza e retomar imenso território. Mas em Karabakh é difícil porque só há um par de estradas».
Para o inevitável combate à moda antiga, de AK-47 na mão, a Turquia trouxe consigo combatentes sírios, que já recrutara antes para combater Assad e Haftar. «Isto é horrível aqui», contou Mohammed al-Hamza, um rapaz de 26 anos, oriundo dos arredores de Aleppo, que foi ferido por bombardeamentos arménios, em declarações ao Guardian. «Eu estive destacado na Líbia e foi perigoso, mas nada como isto. Uns 250 de nós já pediram para voltar para casa».