“Hoje, a democracia liberal, pelo menos em parte, é um rei que vai nu. Para o vestir apropriadamente são urgentes o debate teórico e a inovação prática”
Paul Ginsborg
O Eurobarómetro de 2019, realizado antes da crise da pandemia de covid-19, revela dados verdadeiramente preocupantes no que respeita à confiança dos cidadãos no sistema democrático e, sobretudo, na sua representatividade.
Se 61% dos cidadãos portugueses estão satisfeitos com a democracia nacional, a verdade é que apenas 46% afirmam ter confiança no Governo. A percentagem desce para 39% no que respeita a confiança no Parlamento e resvala perigosamente para 22% quanto à confiança nos partidos políticos.
Portugal foi recentemente classificado como o sétimo país do mundo com melhores índices democráticos, o que parece contraditório em relação ao sentimento dos cidadãos.
Num interessante artigo, o prof. Pedro Guedes de Oliveira afirmou sobre a tão discutida “crise da democracia”: “O que está em crise é a representatividade. Há um núcleo de políticos que tem gerido, a partir de 1976, o modelo democrático como se este pertencesse a si e à pequena oligarquia por si criada”.
A opinião do antigo professor da Universidade do Porto coincide com o sentimento expresso pelos portugueses na sondagem que referi. Há confiança no regime democrático, mas os seus representantes estão a falhar.
Pedro Schwartz, reputado professor de Economia espanhol, na sua obra A Democracia em Perigo, recorda-nos que já Montesquieu, Adam Smith e seus discípulos “consideraram que a melhor defesa da liberdade individual residia na divisão e separação dos poderes políticos e económicos”.
É exatamente esta mistura explosiva do económico e do político e a corrupção que lhe subjaz que vêm minando o regime democrático.
Por outro lado, a apropriação do aparelho de Estado pelos partidos que governam Portugal desde as eleições de 1976 minou os alicerces do regime e criou um afastamento quase irreversível entre governantes e governados, contribuindo assim para esta anemia da nossa democracia.
São os Governos que estendem os seus tentáculos partidários a toda a administração pública, com as nomeações de familiares, correligionários e amigos para as centenas de gabinetes. Os números recentes apontam para 1236 pessoas nos gabinetes dos 70 – setenta – membros do atual Governo.
Numa altura em que se assiste à novela da aprovação do Orçamento, com episódios de tragédia e de comédia entre os apelos de António Costa aos votos da esquerda, sabe-se, ao mesmo tempo, que PS e PSD cozinharam as candidaturas para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), cabendo três aos socialistas e duas aos sociais-democratas.
A democracia fenece enquanto os seus representantes se entretêm com o jogo das cadeiras.
A sociedade civil está cada vez mais afastada deste jogo, ou será, como defende Jürgen Kocka, que ela não passa de “uma utopia que ainda terá de ser concretizada”?
Jornalista