Setores e associações desiludidos: este OE “não é o que Portugal precisa”

Setores e associações desiludidos: este OE “não é o que Portugal precisa”


Associação Nacional de Restaurantes teme que o Governo tenha abandonado o setor. Associação de turismo diz que o documento peca por não ter medidas de apoio às empresas em matéria fiscal. Já AEP e CIP consideram que iniciativa privada “foi completamente esquecida” e que há “resistência em acionar a política fiscal no impulso à economia”.


O Governo prevê uma recessão de 8,5% para este ano, um défice orçamental de 7,3% e que a dívida pública atinja um valor máximo de 134,8%. Para o próximo ano, aponta para um crescimento real do produto interno bruto (PIB) de 5,4%, um défice orçamental na ordem dos 4,3% e a redução da dívida para 130,9% no final de 2021 – estimativas que não surpreendem o analista contactado pelo i. 

“Já era previsto, até porque existiu um aumento galopante do défice das contas públicas”, diz Pedro Amorim. No entanto, o analista da Infinox lembra que “o aumento do défice leva ao aumento proporcional da dívida pública. E estes aumentos preocupam porque estamos a viver os mesmos sintomas nas contas públicas que tivemos em 2009 e 2010”.

O especialista vai mais longe e chama a atenção para o facto “de o aumento galopante do défice e da dívida pública ter como objetivo distribuir rendimentos”. As contas são claras: “Só no ano atual vamos ter 17 mil milhões de euros de défice, no próximo ano, 10 mil milhões de euros de défice (4,5% do PIB), que vão ter de ser financiados essencialmente por dívida (+27 mil milhões)”, refere. Quanto às metas previstas no Orçamento no que diz respeito ao PIB e ao desemprego, Pedro Amorim diz que “estão dependentes de várias premissas ainda não fixas, principalmente o contexto económico internacional”, como é o caso de não se saber se a crise terá melhorias ou quando existirá uma vacina para a covid-19. “As previsões estão no cenário otimista. Não arriscamos indicar um valor por questões de incerteza internacional de caráter económico e também de confirmação das ajudas financeiras por parte das entidades comunitárias”, diz o analista.

Em relação à alteração dos escalões do IRS e se ela permite assistir-se a um aumento de rendimentos, tal como foi prometido por João Leão, Pedro Amorim diz que “as taxas mantêm-se porque não houve registo de inflação”. E faz as contas: “Estamos a falar de um aumento de 2% mas, na verdade, é um aumento praticamente neutro devido a várias componentes da retenção. Esse aumento de 2% nem chega a 2 euros para a maior parte das famílias”.

Medidas alvo de críticas Alguns setores já foram reagindo às medidas anunciadas pelo Governo. É o caso da UGT, que garante que este Orçamento “surpreende por não ser surpreendente”. A estrutura sindical liderada por Carlos Silva diz que, depois de analisado o documento, o mesmo corresponde a algumas preocupações que o sindicato tem apontado nos últimos anos. O aumento do valor mínimo do subsídio de desemprego, uma prestação social universal que garanta proteção mínima a todos os atingidos pela crise pandémica, estabilidade e ausência de vazios e o aumento da cobertura da negociação coletiva, aumento da proteção contra despedimentos nas empresas apoiadas pelo Estado e ainda reforço da fiscalização e intervenção da ACT contra todos os abusos e violações de direitos dos trabalhadores são apenas alguns dos exemplos mais notórios. 

No entanto, a UGT defende que “à semelhança de anos anteriores, este Orçamento fica aquém do expetável, situação que se torna tão mais evidente e tão mais gritante quando este Governo dispõe de condições para dar resposta não apenas aos problemas mais imediatos, mas igualmente a problemas estruturais do nosso país”.

Assim, a central sindical diz que não entende “que se continuem a verificar” vários pontos como “o aumento contido do salário mínimo; a não garantia de aumento de todas as pensões a 1 de janeiro de 2021; uma proteção do emprego nas empresas apoiadas muito limitada e que continua apenas a servir para adiar o problema; a manutenção da ideia de que continua a não ser o momento para aumentos condignos dos funcionários públicos (algum dia o será?), a não correção das injustiças de um subsídio de desemprego que não se esgotam no valor mínimo (mas que se verificam também no valor máximo e no tempo de atribuição) e as alterações à fiscalidade, que se cingem ao dinheiro disponível para o mês mas que continuam a não corrigir os aumentos de impostos do tempo da troika”.

A entidade liderada por Carlos Silva lamenta ainda que questões como o “défice em matéria de qualificações profissionais, o investimento público (que baixa face a 2019), a valorização dos serviços públicos ou a qualidade do emprego continuem a não ser devidamente priorizadas neste Orçamento”.

Também os patrões se mostram descontentes com a proposta de Orçamento do Estado para 2021 ao garantirem que ele “reflete uma estratégia que se limita a reagir aos sintomas da crise – através de um reforço das prestações sociais -, ignorando a necessidade de contribuir para a sobrevivência das empresas e para a sua capacidade de preservar emprego e impulsionar o relançamento da economia”, diz a CIP em comunicado.

De acordo com a associação liderada por António Saraiva, o “Governo mantém a sua resistência em acionar a política fiscal no impulso à economia”, acrescentando que “afirmar que se apoiam as empresas porque se mantêm todas as taxas de imposto inalteradas revela uma visão distorcida e limitada desta política e do seu potencial no quadro de uma estratégia de recuperação económica”. E a CIP vai mais longe: “As principais medidas previstas esgotam-se
 rapidamente no tempo, visando apenas o estímulo ao consumo e não introduzindo qualquer alteração estrutural à fiscalidade portuguesa”. E acrescenta que se trata de “um Orçamento para pagar o desemprego e não para apoiar o emprego”.

Esta opinião é partilhada pela Associação Empresarial de Portugal (AEP) ao considerar que “a iniciativa privada foi completamente esquecida no Orçamento do Estado para 2021”. E lembra: “Não se vislumbra uma política pública determinada a estimular a atividade produtiva, que permita ao país alcançar rapidamente a desejada recuperação económica e, por essa via, manter de forma robusta e sustentada o emprego e o rendimento disponível das famílias”, lamentando a “completa ausência de novas medidas dirigidas às empresas, salvo ligeiríssimas exceções”.

A entidade liderada por Luís Miguel Ribeiro considera também que há “medidas que dão um sinal completamente errado ao estímulo, à atratividade e ao reforço do tão desejado e necessário investimento privado”. E dá como exemplo o regime extraordinário e transitório de incentivo à manutenção de postos de trabalho que, no seu entender, “pretende condicionar o acesso às linhas de crédito com garantia pública e a incentivos fiscais à capitalização e ao investimento por parte de grandes empresas com resultado líquido positivo no período de 2020 à observância da manutenção do nível de emprego, avaliada trimestralmente”. Esta medida, no seu entender, “é inaceitável, inibidora do investimento privado e da gestão normal de recursos humanos, agravando a enorme rigidez já existente para a atividade empresarial – a que se juntarão as novas condicionantes na área laboral negociadas em paralelo ao Orçamento. Na prática, ao penalizar o investimento, a medida poderá ter o resultado oposto ao anunciado, isto é, a manutenção  depostos de trabalho”.

Setores afetados dão cartão vermelho O turismo, outro dos setores mais afetados pela pandemia, diz que as medidas inscritas no OE “deveriam refletir um maior apoio às empresas em matéria fiscal em virtude do ano atípico verificado, permitindo assim a recuperação económica das empresas e famílias portuguesas”. Esta é a opinião da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), que defende que “as opções tomadas neste OE 2021 influenciarão a sobrevivência das empresas, a sua recuperação económica e a manutenção dos postos de trabalho”.

A entidade presidida por Francisco Calheiros não tem dúvidas de que este documento “não apresenta medidas concretas para a capitalização das empresas seja a fundo perdido de capital de risco ou outra, como forma de diversificar os instrumentos de capitalização necessários para a sobrevivência de muitas organizações e a manutenção do emprego”.

Também a Associação Nacional de Restaurantes se mostrou insatisfeita com o Orçamento para o próximo ano e garante que o Governo abandonou o setor da restauração. “A Pro.var acusa o Governo de abandono do setor, deixando de lado medidas importantes e imprescindíveis para fazer face à grave crise que assola o setor da restauração, como é o caso da descida do IVA, do apoio à redução das rendas, da isenção da TSU e de mecanismos de apoio a fundo perdido para a manutenção das empresas e do emprego”, lê-se na nota da associação.

Lembrando as perdas do setor nestes meses de pandemia, a Pro.var diz que não ver estas medidas inscritas no OE é “uma desilusão”. “O único apoio conhecido que consta é o IVAucher e este é, no nosso entender, ilusório, pois é dado um benefício ao consumidor que, sem alterar o seu comportamento de compra, beneficia de um desconto adicional nos habituais consumos”, diz a nota assinada por Daniel Serra, presidente da associação, que deixa o alerta: “Sem receita não há salários e sem apoios não há empregos. A manter-se a situação, recomendamos que o Governo e os partidos que viabilizarem o OE de 2021 se preparem para criar uma dotação necessária para apoio no desemprego de 150 mil trabalhadores e para assumirem a responsabilidade política na destruição de um capital acumulado de 30 mil empresas”.