O meu nome é Isabel…


A gestão hospitalar no público nem sempre terá a lógica de conquistar os doentes como no privado, limitando-se a gerir um dia-a-dia feito de carências, burocracias e condescendências.


“O meu nome é Isabel, sou enfermeira, vou dar-lhe uma pica que não custa nada e daqui a pouco vai dormir um belo sono …”
E não custou mesmo nada, tudo feito por mãos de fada, treinada e fadada para gostar nitidamente do que fazia…
E assim parti sem dar por isso, para as mãos que me viram, examinaram, perscrutaram…
Uma hora depois, acordava e lá estava ela, de novo pegando-me na mão…
“Quem sou eu?”, e era de novo a Isabel dando as boas novas, testando o meu despertar.
“Está tudo perfeito e o doutor já lhe vem dizer isso mesmo”.
A Isabel, a fazer-me sentir como se fosse o único doente do dia, ou o mais importante ou aquele que merecia a sua atenção, como se a notícia do meu exame fosse tão importante para ela.
Mas em frente e ao lado na sala de recobro, a doçura das isabéis de serviço era a mesma para todos os doentes, todos “importantes” como eu…
Naquele hospital, todos nos seus postos, rodeados de regras, procedimentos e protocolos, naquele dia e todos os dias…
Uma semana antes, tinha-me apresentado para o exame, com o teste covid-19 já feito.
“Tudo verificado, vamos então, mas… espere, o teste já não é válido, por pouco, vejo agora que tem mais de 72 horas… e as regras são inflexíveis”.
Conformado, concordei com a sugestão, “então volto de hoje a oito dias com novo teste…”
Oito dias depois lá estava eu e a Isabel de novo à minha espera, agora tudo confirmado.
E assim foi a minha ida aquele hospital onde dezenas de médicos e enfermeiras/os se cruzam com o vírus, convivem com os vírus e depois vão para casa e são pais, filhos, mães, esposas, namorados, noivas e amigos que estiveram de serviço nos hospitais, de serviço e profissão, de desígnio e vocação, de necessidade e ganha-pão …
Já na saída, depois da burocracia final, comovido com tanta atenção, voltei atrás e pedi para que cirurgião, anestesista e enfermeiras me permitissem o agradecimento mais formal.
Esperei no corredor uns minutos e, de súbito, vieram todos, vestidos pesadamente de “astronautas” pela vida, em missão diária de ir ao lado escuro das nossas luas e nos trazer de volta…
Surpreendidos, não sabiam que dizer ao meu simples “muito obrigado”.
Que me pareceu afinal tão pouco, levando-me a titubear ainda um “como é admirável, no meio deste perigo, estarem aqui, sem medo”.
“É a nossa vida”, disseram.
Reconheci o brilho nos olhos, parece que surpreendidos.
E assim parti…
Cá fora também os meus olhos acabaram por ceder ao brilho…
Tinha então saído do território de um Portugal de primeiríssimo mundo.
Aquele hospital privado encontra com toda a certeza nos hospitais públicos zonas de intervenção semelhante onde a qualidade de médicos e enfermeiros é insuperável.
Ponto é que a gestão hospitalar no público nem sempre terá a lógica de conquistar os doentes como no privado, limitando-se a gerir um dia-a-dia feito de carências, burocracias e condescendências, com listas de espera e atavismos organizacionais vários, não parecendo relevar, tantas das vezes, os interesses prevalecentes do doente no centro da política de saúde.
Há uma causa de tudo isto, sintetizada na redução da actividade provinda do horário de trabalho das 35 horas que, conjugado com aumento da procura por razão do covid-19, e falta de recursos financeiros se verte depois na realidade das listas de espera, com as quais o país convive, mas que são um atentado ao direito à saúde e num quadro mais alargado, aos direitos humanos básicos.
Sem embargo, que não se confundam os profissionais, médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal auxiliar, que asseguram um grande sinal de responsabilidade e prestígio profissional, num e noutro caso, público e privado.
Pudesse eu e todas as isabéis enfermeiras e médicos, e todos os que nos hospitais servem a saúde e a vida, não teriam apenas agradecimentos de corredor, mas de retribuição material, muito merecida…
Outros países vêm reconhecendo este excepcional desafio colocado a profissionais num momento histórico da vida colectiva…

Jurista

O meu nome é Isabel…


A gestão hospitalar no público nem sempre terá a lógica de conquistar os doentes como no privado, limitando-se a gerir um dia-a-dia feito de carências, burocracias e condescendências.


“O meu nome é Isabel, sou enfermeira, vou dar-lhe uma pica que não custa nada e daqui a pouco vai dormir um belo sono …”
E não custou mesmo nada, tudo feito por mãos de fada, treinada e fadada para gostar nitidamente do que fazia…
E assim parti sem dar por isso, para as mãos que me viram, examinaram, perscrutaram…
Uma hora depois, acordava e lá estava ela, de novo pegando-me na mão…
“Quem sou eu?”, e era de novo a Isabel dando as boas novas, testando o meu despertar.
“Está tudo perfeito e o doutor já lhe vem dizer isso mesmo”.
A Isabel, a fazer-me sentir como se fosse o único doente do dia, ou o mais importante ou aquele que merecia a sua atenção, como se a notícia do meu exame fosse tão importante para ela.
Mas em frente e ao lado na sala de recobro, a doçura das isabéis de serviço era a mesma para todos os doentes, todos “importantes” como eu…
Naquele hospital, todos nos seus postos, rodeados de regras, procedimentos e protocolos, naquele dia e todos os dias…
Uma semana antes, tinha-me apresentado para o exame, com o teste covid-19 já feito.
“Tudo verificado, vamos então, mas… espere, o teste já não é válido, por pouco, vejo agora que tem mais de 72 horas… e as regras são inflexíveis”.
Conformado, concordei com a sugestão, “então volto de hoje a oito dias com novo teste…”
Oito dias depois lá estava eu e a Isabel de novo à minha espera, agora tudo confirmado.
E assim foi a minha ida aquele hospital onde dezenas de médicos e enfermeiras/os se cruzam com o vírus, convivem com os vírus e depois vão para casa e são pais, filhos, mães, esposas, namorados, noivas e amigos que estiveram de serviço nos hospitais, de serviço e profissão, de desígnio e vocação, de necessidade e ganha-pão …
Já na saída, depois da burocracia final, comovido com tanta atenção, voltei atrás e pedi para que cirurgião, anestesista e enfermeiras me permitissem o agradecimento mais formal.
Esperei no corredor uns minutos e, de súbito, vieram todos, vestidos pesadamente de “astronautas” pela vida, em missão diária de ir ao lado escuro das nossas luas e nos trazer de volta…
Surpreendidos, não sabiam que dizer ao meu simples “muito obrigado”.
Que me pareceu afinal tão pouco, levando-me a titubear ainda um “como é admirável, no meio deste perigo, estarem aqui, sem medo”.
“É a nossa vida”, disseram.
Reconheci o brilho nos olhos, parece que surpreendidos.
E assim parti…
Cá fora também os meus olhos acabaram por ceder ao brilho…
Tinha então saído do território de um Portugal de primeiríssimo mundo.
Aquele hospital privado encontra com toda a certeza nos hospitais públicos zonas de intervenção semelhante onde a qualidade de médicos e enfermeiros é insuperável.
Ponto é que a gestão hospitalar no público nem sempre terá a lógica de conquistar os doentes como no privado, limitando-se a gerir um dia-a-dia feito de carências, burocracias e condescendências, com listas de espera e atavismos organizacionais vários, não parecendo relevar, tantas das vezes, os interesses prevalecentes do doente no centro da política de saúde.
Há uma causa de tudo isto, sintetizada na redução da actividade provinda do horário de trabalho das 35 horas que, conjugado com aumento da procura por razão do covid-19, e falta de recursos financeiros se verte depois na realidade das listas de espera, com as quais o país convive, mas que são um atentado ao direito à saúde e num quadro mais alargado, aos direitos humanos básicos.
Sem embargo, que não se confundam os profissionais, médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal auxiliar, que asseguram um grande sinal de responsabilidade e prestígio profissional, num e noutro caso, público e privado.
Pudesse eu e todas as isabéis enfermeiras e médicos, e todos os que nos hospitais servem a saúde e a vida, não teriam apenas agradecimentos de corredor, mas de retribuição material, muito merecida…
Outros países vêm reconhecendo este excepcional desafio colocado a profissionais num momento histórico da vida colectiva…

Jurista