Dezenas de enfermeiros têm mostrado a sua indignação nas redes sociais depois de, o programa Polígrafo da SIC, na semana passada, terem sido comparados os vencimentos destes profissionais de saúde com os da ex-deputada do partido Livre Joacine Katar Moreira, na sequência de uma publicação do partido Chega – Póvoa de Varzim. “Enfermeiros ganham menos do que Joacine?” foi a questão colocada pelo canal televisivo, cuja resposta foi considerada “imprecisa” e “enviesada” por, na publicação feita pelo Chega, se dar apenas conta do patamar mais baixo da tabela salarial dos enfermeiros (1205,08 euros).
De acordo com as informações divulgadas pela SIC, os enfermeiros no topo da carreira ganham 3374,23 euros de ordenado ilíquido mensal – mais subsídios –, o que equivale a um número idêntico ao do vencimento de Joacine Katar Moreira, que mensalmente recebe 3624,41 euros de vencimento ilíquido.
Instalou-se o caos. Num grupo privado no Facebook, dedicado apenas para enfermeiros, muitos profissionais de saúde têm exibido palavras de revolta. “Estou aqui à espera de justiça, sou enfermeira, pobre. Não tenho de ouvir a comparação com a deputada com quem me comparam. Faz ideia das vidas que salvei nas noites e dias sem um médico ao alcance?”, questionou uma enfermeira. E outra profissional de saúde acrescentou: “Vocês que apregoam que trabalham em nome da verdade acabam de perder toda a credibilidade ao afirmar que o vencimento dos enfermeiros atinge facilmente e até ultrapassa os 3000 euros. Tenho 30 anos de serviço e levo ao fim do mês 1200 euros”, atirou.
E até a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, quis manifestar o seu desagrado. “O vencimento de 80% dos enfermeiros em Portugal é 1205 euros ilíquidos, o que dá, coisa menos coisa, cerca de 900 e poucos euros líquidos. O de Joacine é de 3634 mil euros ilíquidos mais cerca de 370 euros de despesas de representação. E sim, somos imensamente mais úteis e salvamos vidas, milhares de vidas. Dizer que é impreciso este facto é vergonhoso usando para isso o ordenado de topo de carreira onde para chegarmos precisaríamos de 100 anos”, escreveu na sua página de Facebook.
Em jeito de esclarecimento, Bernardo Ferrão, responsável pelo programa, sublinhou que “na próxima edição do programa” será feito um “esclarecimento sobre a manipulação que estava em causa naquela publicação do Chega”. Além disso, esclareceu ainda que nunca foi intenção do canal “ofender os enfermeiros, uma classe de profissionais que merecem toda a dignidade”.
Cortes nos salários Muitos enfermeiros que estiveram em isolamento por estarem infetados com covid-19 não receberam remuneração por esse período, ficando à espera do pagamento das baixas médicas por parte da Segurança Social – 70% do seu ordenado. No entanto, depois da Ordem dos Enfermeiros ter exigido medidas urgentes ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a situação atual parece ter ficado resolvida.
“Os enfermeiros não tinham direito a doença profissional. Uns tinham e outros não, era um bocado à vontade do freguês, conforme o médico de saúde pública. E agora acabou por sair um orçamento que eu chamo retificativo em que acabaram por equiparar os contratos de trabalho em funções públicas com os outros para terem todos direito a doença profissional. Por isso, penso que estará resolvido esse problema e já recebem os cem por cento. O que acho que continua a persistir é a Segurança Social atrasar-se a pagar a baixa médica. Mas agora temos recebido poucas queixas nesse sentido”, avançou ao i Ana Rita Cavaco, lembrando, no entanto, que a legislação só vigora a partir de julho e “não retroage”, pelo que “o problema nos vencimentos persiste” para os enfermeiros infetados antes desse mês.
“Com o retificativo de julho, ficou resolvida a questão de eles receberem o vencimento a cem por cento como doença profissional, mas os que estão para trás não. Ficaram na mesma com aqueles 70% de vencimento. Até julho tivemos milhares de enfermeiros infetados, todos com regimes laborais diferentes”, esclareceu a bastonária.
Recorde-se que, em maio, foram conhecidos casos de enfermeiros que receberam não um salário, mas uma nota de devolução: em alguns casos, o Estado pediu-lhes para devolver 400 euros de salário alegadamente pago em excesso no mês anterior.