Gonçalo Velho. “A pandemia está a gerar um pandemónio, com uma imensa confusão”

Gonçalo Velho. “A pandemia está a gerar um pandemónio, com uma imensa confusão”


Em pleno arranque do ano letivo nas universidades, o presidente do sindicato do ensino superior diz existir falta de atenção aos professores de risco e aponta falhas à tutela.


O ano letivo já começou nas universidades e ontem foram conhecidos os resultados das candidaturas à primeira fase de acesso ao ensino superior – cerca de 51 mil alunos foram colocados, o que representa um aumento de 15% em relação ao ano passado. Mas, em tempos de pandemia de covid-19, são muitos os receios em torno das dificuldades que professores e alunos podem vir a enfrentar. O presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), Gonçalo Velho, explica ao i o que espera deste início de ano letivo e também aquilo que o preocupa.

Quais as suas expetativas em relação ao arranque do ano letivo nas universidades?
Tivemos números positivos do ponto de vista das candidaturas ao ensino superior, mas ainda estamos a aguardar para perceber que diferenças existem em relação ao passado. É preciso verificar, em relação aos centros urbanos de maior dimensão, o que este aumento de candidatos trouxe para as instituições que ficam em regiões mais periféricas, conseguir compreender a relação da distribuição dos alunos pelo país. E esse aumento traz duas questões: por um lado, traz responsabilidade do ponto de vista da situação de saúde pública que estamos a atravessar. Neste momento vemos as pessoas que estão em situação de maior debilidade de saúde, de saúde frágil, com doenças muito graves e debilitantes, do foro oncológico e outros, a constituírem o chamado grupo de risco. E não foram salvaguardadas no ensino superior. Além disso, muitas dessas pessoas são cuidadoras de outros elementos que também, quer pela idade quer pela situação de saúde, estão frágeis. Também temos outros doentes crónicos. Esperemos não vir a ter aqui algumas situações que tenhamos de lamentar profundamente. Isto coloca, portanto, uma responsabilidade acrescida e nós gostaríamos de apelar novamente ao Governo para que possa vir a ser acautelada.

Porque não houve qualquer indicação por parte do Governo para os professores que pertencem ao grupo de risco.
Não houve qualquer indicação. Mas, depois, também há a questão da responsabilidade dos alunos e professores em relação à situação de segurança. Vamos ter um ensino essencialmente presencial, que é um final extraordinário para o país. É bom para as pessoas que, de facto, querem lutar pelo conhecimento e que estão dispostas a enfrentar uma pandemia em prol desse conhecimento. Por isso, esperemos não ter situações de praxe e outras. Neste momento, a praxe é completamente descabida. Estamos de acordo com a recomendação do ministro no que respeita à completa abolição das praxes, ainda mais numa situação de saúde pública como esta. 

E, tirando isso, quais são as suas principais preocupações neste arranque do ano letivo?
Têm a ver essencialmente com as questões de saúde pública. As falhas na infraestrutura, os problemas de financiamento que se agravam consideravelmente e a situação laboral daqueles que são os mais frágeis – porque são eles que vão pagar mais esta crise, tanto eles como os alunos em situação financeira mais desfavorável. Esses dois grupos – docentes precários e os alunos em situações económicas mais frágeis – é que vão pagar esta crise e já o vemos em relação a despedimentos e outras situações. Esperemos não assistir a surtos nas instituições do ensino superior porque, de facto, há situações que nos preocupam em termos de equipamentos. Não gostaria de estar já a particularizar, mas já temos um conjunto de universidades e politécnicos que sinalizámos como problemáticos e vamos, muito provavelmente, agir junto das autoridades de saúde, porque não creio que estejam reunidas as condições. E é uma grande responsabilidade aquilo que pode vir a acontecer.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) deu alguma orientação para existirem regras iguais em todas as universidades ou cada universidade define a sua estratégia?
Não, não tivemos nenhuma indicação da DGS. Aquilo que houve foram elementos genéricos, semelhantes à questão do básico e do secundário. Portanto, há uma grande indefinição, inclusivamente do ponto de vista do financiamento, porque cada instituição está a funcionar de um modo completamente diferente: há as que estão em ensino misto e as que estão em ensino presencial. Praticamente cada uma faz como sabe e é um enorme problema do ponto de vista da organização. E sobretudo um enorme problema do ponto de vista de retirada de direitos, porque não são tidos em conta os grupos de risco. Há situações completamente kafkianas que não fazem qualquer sentido, como as do ensino misto, em que se pretende que o professor, ao mesmo tempo, esteja a dar atenção ao Zoom e ao ensino online, resolvendo problemas técnicos no Zoom, perante uma turma de 30, 40 ou 50 alunos na sala de aula. Houve a ideia da questão do respeito da autonomia. Mas o respeito da autonomia é também um prejuízo para os alunos que não podem ter um regime de equidade. E se nós temos um sistema público, pago com dinheiros públicos, não podemos ter cada um a fazer como sabe. Em vez de termos uma orquestra, temos uma cacofonia. E, portanto, convinha que houvesse aqui uma maior sintonia que caberia ser operada por parte do ministério.
 

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