No Lar da Mitra, uma das estruturas residenciais para idosos da Santa Casa da Misericórdia da Lisboa, é a segunda vez que o vírus entra porta dentro. Ontem estavam confirmados 34 casos, 17 funcionários e 17 utentes, um deles hospitalizado. Se num primeiro surto em abril houve menos contágios, a instituição que dá resposta a casos de demência e doença psiquiátrica garante que estão a ser seguidos todos os procedimentos. Foram feitos 130 testes, incluindo a colaboradores externos, e aguardavam-se resultados. “A situação está a ser monitorizada de perto, tendo sido ativado o plano de contingência do equipamento, de acordo com as normas da DGS, e encontrando-se a Autoridade de Saúde de Lisboa a acompanhar o caso”, informou a Santa Casa.
A preocupação em detetar e travar atempadamente contágios dentro de lares, onde viviam 40% das vítimas mortais de covid-19 no país, tem subido nas últimas semanas, mas, com o aumento dos contágios a nível nacional, não parecem estar também a escapar ao aparecimento de mais surtos. No espaço de uma semana, o número de surtos ativos em lares subiu de 35 para 44, com 74 instituições afetadas, revelou ontem a ministra da Saúde. Há agora 704 utentes de lares infetados, 114 hospitalizados, o que representa um quinto dos doentes com covid-19 internados nos hospitais. No pico da epidemia, em abril, chegou a haver 365 lares com surtos em simultâneo, com 2500 utentes infetados. Os números são hoje muito menores. Ainda assim, no início do mês registavam-se apenas 23 surtos ativos.
Ontem, na conferência de imprensa da DGS sobre a evolução da epidemia, a ministra da Saúde sublinhou que os surtos nos lares são a maior preocupação. O Governo garantiu que até ao final do mês estarão no terreno brigadas distritais de intervenção rápida para conter e isolar casos. Nos últimos dias vieram a público dificuldades no recrutamento de médicos para as equipas, um processo entregue à Cruz Vermelha. No sábado, o Expresso noticiou que não tinha sido contratado nenhum dos 20 médicos necessários para as 18 equipas e, ontem, a ministra da Saúde remeteu o ponto de situação para o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela os lares. O i procurou perceber quantos profissionais já foram recrutados e quando se prevê que as equipas estejam no terreno, mas não teve resposta até à hora de fecho desta edição.
A solução para a intervenção médica nos lares tem vindo a ser criticada pelos sindicatos depois do caso de Reguengos de Monsaraz, onde uma auditoria da Ordem dos Médicos revelou que não foram cumpridos procedimentos definidos pela DGS na assistência a idosos – um caso que levantou tensões entre médicos e Governo. O Sindicato Independente dos Médicos defende que as instituições devem ser obrigadas a contratar profissionais. “É inqualificável a atitude do Governo em relação aos lares. Em vez de obrigar as instituições a terem médico e enfermeiro, há uma atitude permanente de desresponsabilização dessas entidades, empurrando o problema para os médicos de família, ao mesmo tempo que há 900 mil pessoas sem médico de família, que há médicos deslocados para unidades dedicadas a casos suspeitos de covid-19 e que há 21 mil pessoas infetadas que têm de ser acompanhadas pelos médicos de família”, criticou esta semana Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do SIM.
Também a Ordem dos Médicos, num conjunto de recomendações ao Governo, recomendou antes a criação de equipas médicas de resposta em prontidão para situações complexas, como surtos em lares, compostas por médicos de saúde pública, médicos com experiência em covid-19 e médicos de emergência, sob dependência das Administrações Regionais de Saúde.
Preparar retaguarda Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), considera que por agora não há um aumento expressivo dos casos – no universo dos lares geridos por IPSS há apenas dois com surtos. Acredita que as brigadas vão permitir acelerar a resposta e as expetativas são agora o começo da vacinação contra a gripe, que a DGS indicou já que arrancará a 28 de setembro, e que sejam definidas unidades de retaguarda caso seja necessário deslocar idosos das instituições. “Existiram, foram desativadas e terão de ser retomadas. É algo que está definido em alguns pontos do país, mas não em todos”, disse ao i.
Os dados da Direção-Geral da Saúde mostram que apesar de a maioria dos novos casos de covid-19 estar a surgir na população mais nova, tem havido também um aumento das infeções entre idosos. Na semana passada, dos 4594 casos reportados no país entre segunda-feira e domingo, 542 eram idosos com mais de 70 anos, quando na semana anterior se registaram 486 casos nesta faixa etária. Esta semana, os dados reportados até ontem sugerem um novo aumento da percentagem de casos acima dos 80 anos. Na semana passada eram 5,6% do total e são agora 7,2%. Só desde domingo já foram reportados 261 novos casos entre idosos, 136 com mais de 80 anos de idade, o grupo etário em que a taxa de letalidade da doença tem rondado os 18%. O i já procurou perceber junto da DGS se estão identificados principais contextos de contágio nesta população além dos lares e se haverá um reforço da sensibilização, mas não teve ainda resposta.