Não há nada pior do que ouvir um disco em que, do início ao fim, o vocalista da banda está de dedo apontado ao ouvinte, a criticar todas as suas atitudes. Samuel Úria sabe disso. Apesar do seu mais recente disco, Canções do Pós-Guerra, lançado na última sexta-feira, estar bastante atento ao que o rodeia, antes de apontar o dedo a seja quem for, aponta para ele próprio. “Nenhum dos nossos passados é impoluto”, diz o músico natural de Tondela ao i. Apesar de não querer ser tratado como um oráculo, garante que o título já estava mais que decidido antes de o país entrar em confinamento devido ao coronavírus. Este disco, que deveria ter saído em abril, é um rescaldo de uma guerra metafórica e introspetiva que acontece na mente de Úria, mas também na ascensão de movimentos que deixam o músico inquieto, como o populismo da extrema-direita. Samuel Úria não tem a certeza de que esta é a altura certa para ouvir o seu disco. “As pessoas ficaram contidas e veio o receio de que, de repente, este não fosse o disco de que precisavam para desconfinar. Este é um disco de reflexão sobre confinamento”. O i ouviu o disco e, mesmo assim, quis sentar-se a falar com Úria sobre todas as suas inquietações.
O lançamento de Canções do Pós-Guerra teve de ser adiado. Houve alguma mudança no produto final?
Não, nem tenho a certeza, mas acho que chegou a ir para a fábrica ainda antes da pandemia. Pelo menos as misturas e o alinhamento estavam fechados uma ou duas semanas antes de o país fechar.
Sempre foi o plano chamar-se Canções do Pós-Guerra?
Sim, há muita coisa que parece profética neste disco. Desde o título, porque vivemos num período pós-tumulto, à escolha de algumas palavras que usei, como Contenção, título de uma das músicas e que se tornou uma das palavras mais usadas nos últimos tempos, embora nem sempre com a mesma conotação da canção. Muitas músicas foram escritas há bastante tempo e parecem ter uma previsão política sobre o ascendente de populismo. Claro que, de uma maneira semimística, posso advogar que foi mesmo uma profecia, mas basta uma pessoa fazer observações, mesmo que na altura não nos levem a nenhuma conclusão, de indícios tão prementes e tentarmos passar o que está a acontecer para letras de canções (poesia, se quiser ser um bocado mais presunçoso).[risos] Há deduções que vão ficar claras que, para nós, podiam ainda não ser. Nesse sentido, não me sinto um oráculo de nada, mas acabo por ser porque reuni uma série de fatores que nos rodeavam e, de repente, se cumpriram.
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