O reinício da actividade dos tribunais


O reinício da actividade dos tribunais vai abrir com situações de risco acrescido, mas também deverá contribuir para que se comece desde já a repensar todo o parque judiciário existente e a voltar a colocar os tribunais em edifícios dignos…


Hoje termina o período de férias judiciais, que decorreu de 16 de Julho a 1 de Setembro, e os tribunais reiniciam o seu trabalho normal. Apesar de algumas vozes que se manifestaram no sentido de que as férias judiciais deveriam ter sido reduzidas este ano, em virtude do período em que os prazos estiveram suspensos, foi positivo que não o tenham sido. Efectivamente, o período em que vigorou o estado de emergência foi extremamente traumatizante para o sector da justiça e era importante que este regressasse à normalidade possível, logo que terminou a fase mais aguda da pandemia. A manutenção das férias judiciais contribuiu assim para esse regresso a alguma normalidade neste sector. A redução ou supressão das férias judiciais causaria, pelo contrário, enorme perturbação e nada resolveria em termos de produtividade dos tribunais.

Ao contrário do que se pretende fazer crer, os tribunais não encerram durante o período de férias judiciais, continuando a correr os processos urgentes, e sendo este período aproveitado pelos advogados e pelos magistrados, não apenas para o gozo das férias a que têm legitimamente direito, mas também para organizar o seu trabalho e preparar o novo ano. Na verdade, embora a cerimónia de abertura do ano judicial ocorra apenas em Janeiro, na perspectiva dos profissionais da justiça esta é a altura que é vista como o efectivo arranque do novo ano judicial. Efectivamente é em Setembro que ocorrem os movimentos judiciais, que estabelecem a colocação de magistrados e funcionários nos tribunais, e costuma ser também em Setembro que entram em vigor as reformas legislativas na área da justiça. Normalmente, por isso, o reinício da actividade dos tribunais em Setembro é visto como um recomeço, um período novo em que se esperam melhorias na área da justiça.

Este ano, no entanto, as perspectivas apresentam-se, pelo contrário, como sombrias nesta área. Os tribunais continuam a ser lugares de risco elevado para infecções pelo coronavírus e os seus planos de segurança, que foram aprovados sem audição da Ordem dos Advogados, omitem completamente a necessária protecção aos advogados. O Ministério da Justiça insiste em obrigar todos os que se deslocam aos tribunais a digitar numa máquina de senhas, que só é desinfectada de hora a hora, abrindo assim desnecessariamente focos de contaminação. Para além disso, tem-se muitas vezes obrigado advogados e testemunhas a esperar à porta de entrada do tribunal, o que gera igualmente um risco elevado de contaminação, que poderia ser facilmente evitado com uma melhor gestão do sistema de entradas. Mas infelizmente a preocupação do Ministério da Justiça tem sido apenas a de assegurar protecção a magistrados e funcionários, desconsiderando completamente os riscos existentes para os advogados e para os cidadãos que convoca para os tribunais.

Esses riscos são consideravelmente elevados também devido às deficientes condições em que funcionam os nossos tribunais. Enquanto anteriormente os tribunais eram instalados em edifícios próprios, espaçosos e arejados, nos últimos anos, ao mesmo tempo em que se encerraram tribunais por todo o país, instalaram-se tribunais em edifícios inadequados, com salas interiores sem janelas e com espaços reduzidos, quando não mesmo em contentores, os quais por isso constituem também um risco elevado de transmissão de vírus. Por esse motivo, está-se presentemente por razões de segurança a realizar muitos julgamentos fora das instalações dos tribunais, o que é totalmente inadequado à administração da justiça, que não deve perder a dimensão simbólica de ser realizada em edifícios próprios e adequados à sua função.

O reinício da actividade dos tribunais vai abrir assim situações de risco acrescido, em relação às quais todos os profissionais do sector devem estar absolutamente vigilantes. Mas também deverá contribuir para que se comece desde já a repensar todo o parque judiciário existente e a voltar a colocar os tribunais em edifícios dignos, com condições de trabalho adequadas e onde a segurança de todos esteja plenamente assegurada. Esse é um direito de todos os profissionais e utentes do sistema de justiça.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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