Construir uma sociedade melhor depois da covid-19


Em Cascais, além de atacar a pandemia nas suas três frentes – saúde pública, económica e social –, estamos a trabalhar para anular as linhas de fratura por ela criadas.


Ver o óbvio à frente do nosso nariz exige um esforço constante. Por isso, e quem me segue neste espaço semanal sabe, não me tenho cansado de insistir na necessidade de atacar a crise que vivemos na sua tripla dimensão pandémica: a saúde pública, a economia e o social. Mais de 772 mil mortos e 22 milhões de infetados em todo o mundo, uma quebra histórica do PIB global que anulou mais de uma década de ganhos na economia internacional, dezenas de milhões de pessoas a engrossar as filas de desemprego em todas as latitudes. Os homens e as mulheres do nosso tempo estão, pois, destinados a vencer a monstruosa crise das três pandemias. Unidos nas nossas diferenças pela fragilidade da nossa humanidade comum, que não falte força e esperança a nenhum povo do mundo para o fazer.

Outro tema em que tenho colocado particular ênfase é a necessidade de o país aproveitar este tempo de falsas tréguas do coronavírus para se preparar como deve ser para enfrentar a segunda vaga da doença. Olhar para a melhoria dos números da covid-19 não significa que está tudo a correr bem. Portugal já cometeu esse erro uma vez e pagou um preço alto por isso. Baixar a guarda perante este inimigo cobarde não é uma opção. Exige-se, assim, que os poderes públicos aproveitem cada dia para nos preparar melhor para o embate da segunda vaga: capacitando o SNS, melhorando o tratamento dos dados, debelando a burocracia e agilizando procedimentos legais que permitam agilidade na resposta.

Há, todavia, mais frentes de batalha que não podem passar despercebidas. É para mim claro, há muitos meses, que um dos efeitos mais perversos desta tripla crise são as linhas de fratura sociais por ela criadas. Linhas que compreendem diferentes noções de liberdade e de igualdade.

A crise cavou uma linha entre os que podem fazer teletrabalho e os que têm de continuar a estar diariamente nos seus postos de trabalho; entre os que caíram no desemprego e os que continuaram a gozar dos seus rendimentos por inteiro; entre os idosos, a quem se exige maior dever de confinamento, e os outros, que podem gozar mais plenamente da sua liberdade; entre as empresas que podem voltar à normalidade e as que são profundamente afetadas pela regulação e pelas circunstâncias. Poderia continuar a enumerar linhas divisórias, mas estes exemplos são suficientes para mostrar como a covid-19 criou perigosas fraturas na nossa sociedade em cima das três pandemias de que atrás falámos.

Qualquer resposta política à covid-19 não pode perder de vista os valores da igualdade, da liberdade e da proporcionalidade. Se não o fizermos, estaremos a criar uma quarta pandemia, de natureza exclusivamente política e que tem a ver com a dispersão do vírus da intolerância, do ressentimento e do ódio. O vírus que corrói os pilares da democracia e alimenta a recessão liberal.

Todos os poderes públicos, a todos os níveis, podem dar uma resposta que preserve os valores da igualdade, da liberdade e da proporcionalidade. Em Cascais, além de atacar a pandemia nas suas três frentes – saúde pública, económica e social –, estamos a trabalhar para anular as linhas de fratura.

Na sequência da deliberação do Conselho de Ministros, Cascais foi o primeiro concelho da Área Metropolitana de Lisboa a chamar a si a responsabilidade de repor os horários pré-covid dos estabelecimentos comerciais. Uma medida crítica num setor – o de comércio e serviços – que durante anos acrescentou empregos à nossa economia e receita fiscal ao nosso Tesouro e que, de repente, não apenas viu o seu mercado encolher drasticamente (por via da perda de clientes que se adaptam a um novo modo de vida) como ainda vê a sua atividade condicionada por restrições de ordem legal. Por despacho que eu próprio assinei, os estabelecimentos comerciais em Cascais podem, assim, recuperar alguma normalidade de funcionamento desde que, evidentemente, o façam com condições. A primeira é a de que essa abertura seja previamente autorizada pela autarquia. A segunda é um compromisso inabalável com a segurança e a saúde pública, tendo os agentes económicos de garantir que todas as medidas – uso de máscara, distanciamento social, desinfeção frequente, entre outras – são observadas.

Com esta medida anulámos uma fonte de desigualdade – entre os negócios que puderam voltar à normalidade e os que não o puderam fazer – e recuperámos uma liberdade que estava condicionada.

Outro setor massacrado pela pandemia é a hotelaria e turismo. Durante anos, a espinha dorsal da economia nacional, o turismo, vive a pior crise de que há memória. Restrições nos voos, inclusão de Portugal em listas negras, readaptação dos padrões de consumo e de mobilidade: tudo isto impactou profundamente o setor turístico.

Nos momentos difíceis, não esquecemos aqueles que contribuíram para a nossa prosperidade coletiva. É tempo de retribuir. Com a Associação de Turismo de Cascais, a Associação da Hotelaria de Portugal, a Associação Empresarial do Concelho de Cascais e a Cascais Invest, assinámos um protocolo de cooperação para apoiar o turismo no nosso território. Aos turistas que nos visitarem e ficarem hospedados nos nossos hotéis ofereceremos bilhetes para museus, transportes públicos e visitas guiadas por gente da terra aos locais mais emblemáticos de Cascais. Aos hotéis e restaurantes, isentamos taxas e permitimos o crescimento das esplanadas para acomodarem os clientes em maior segurança.

E porque esta é uma excelente oportunidade para descobrir os tesouros escondidos à porta de casa, lançámos a campanha #EuFicoEmCascais, com propostas para residentes, estudantes e trabalhadores, que podem aproveitar descontos até 25% na nossa extraordinária rede de hotéis de 3, 4 e 5 estrelas.

As pandemias obrigaram-nos a mudar. A todos. Temos a responsabilidade coletiva de fazer crescer uma sociedade melhor e mais forte depois da crise. Um novo contrato social.

Aos poderes públicos exigem-se respostas rápidas e eficazes no mercado de trabalho, na educação e na saúde pública, sempre numa moldura de princípios da igualdade e da liberdade.

Às empresas, que no país e na Europa são apoiadas por dinheiros públicos, exige-se que repensem o seu papel e, quiçá, deixem de ter a distribuição de dividendos pelos seus acionistas como principal razão de vida. Isto é entender as empresas menos como meros organismos económicos e mais como atores sociais de primeira grandeza.

Aos cidadãos, exige-se uma nova cultura de responsabilidade, de solidariedade e de liberdade que anule o endeusamento da existência atomizada e desligada do todo social.

Isto não é um plano ideológico. Isto não é doutrina socialista ou capitalista. Isto é uma nova forma de estar na sociedade e uma nova economia da retribuição.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais Escreve à quarta-feira