Praxes.  Com regras, mas “uma afronta ao espírito coimbrão”

Praxes. Com regras, mas “uma afronta ao espírito coimbrão”


Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra disse ao i que praxes académicas vão realizar-se em setembro. Mas esta decisão não agrada a todos. E o Governo repudia.


A falta de consenso intensifica-se este ano no que diz respeito à realização das praxes académicas. Um bom exemplo disso é a Universidade de Coimbra: se, por um lado, há quem defenda que devem realizar-se no próximo ano letivo – com as devidas medidas de segurança por causa da pandemia de covid-19 –, por outro há aqueles que consideram “absolutamente desaconselhadas”. Questionada a tutela deixou claro que não concorda com tais iniciativas.

Entre os que estão contra invoca-se a saúde pública e a “afronta ao espírito coimbrão”. É o caso do presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), Gonçalo Leite Velho, que ao i admitiu ser “totalmente contra” aquilo que foi acordado entre a reitoria da universidade e o Conselho de Veteranos, entidade reguladora da praxe na Universidade de Coimbra – o acordo fechado nos últimos dias passa pela utilização obrigatória de máscara e caloiros separados em pequenos grupos.

“É completamente desaconselhado, por todas as questões. Em primeiro lugar, por uma questão de saúde, pois é colocada em causa a comunidade. Uma comunidade envelhecida, pessoas que têm família. Além disso, acho que é uma afronta ao espírito coimbrão, tendo eu estudado em Coimbra. Fui membro da Associação Académica de Coimbra, estudante muito ativo em vários grupos e considero uma falta de cuidado para com a academia coimbrã e com aquilo que seriam os fundamentos da praxe e a sua origem. É completamente despropositado. Não se proteger é dar um exemplo de ignorância, tudo o que a praxe não deveria ser. A praxe é o contrário, é o exercício da paródia de ignorância. Isto é quase um exercício de ignorância perante a ciência”, começou por dizer, acrescentando que esta não é, de todo, a altura certa para a prática desta tradição.

“Dentro deste ritual de iniciação urbano penso que também existe um ritual de iniciação à civilização. E sermos civilizados neste momento é respeitarmos o distanciamento social e não estarmos a potenciar o contágio, numa altura em que estamos com riscos extremos. Sabemos que uma das questões que é mais evidente em termos de contágio é o contacto muito continuado e muito próximo das pessoas”, frisou Gonçalo Leite Velho.

O repúdio do Governo Contactado pelo i, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) “lamentou” e “repudiou” as decisões associadas às praxes académicas, confirmando o apoio ao combate a manifestações de abuso, humilhação e subserviência realizadas entre grupos de estudantes, seja no espaço público ou dentro das instituições. “Num momento de crise pandémica como o que se vive atualmente, que reclama de todos os atores do ensino superior o maior sentido de responsabilidade para garantir a contenção da pandemia e a redução do risco sanitário, é incompreensível decisões deste teor relativamente a atividades que nem são essenciais nem são desejáveis nos espaços académicos”, sublinhou.

No entanto, tal como acontece na Universidade do Porto – onde há mais de dez anos que não se realizam praxes dentro das instalações –, o i sabe que a tradição na Universidade de Coimbra será cumprida, no próximo mês, em pleno espaço público, tal como é habitual.

Apesar de todas as críticas de que tem sido alvo, o Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra, liderado por Matias Correia, assegurou ao i, porém, que todas as regras de segurança vão ser cumpridas, não esquecendo a ligação à cidade que, desde sempre, fez parte da história das praxes em Coimbra.

Regras de segurança “Neste momento, vemos que é possível realizar as praxes e que há condições para isso. A reitoria também disse que não há problema que ocorram. Vamos também fazer depois uma espécie de livro de recomendações para tentarmos também diversificar as praxes. Por exemplo, na tradicional praxe de fileira, em que estão 30 caloiros seguidos, o nosso objetivo é incentivar os cursos a fazerem grupos mais pequenos em vez dos tradicionais jogos, onde é necessário contacto físico. No entanto, o objetivo passa por manter também a ligação à cidade. Uma mais-valia que as praxes têm em Coimbra é que os caloiros ficam a conhecer a cidade e interagem com a própria cidade. E é isso que nós queremos incentivar. Não queremos que se perca, principalmente no início do ano letivo”, reforçou Matias Correia, que fez ainda alusão à “festa da cidade” e aos “bares e esplanadas cheios” para explicar o porquê de apoiar a realização das praxes académicas já em setembro.

“Havendo aulas presenciais em Coimbra, consideramos então que também é possível decorrerem as praxes, evidentemente com as devidas recomendações. E, tendo em conta que já houve a festa da cidade, com ajuntamento de centenas de pessoas, não percebo o porquê de não se realizarem. E mesmo agora com a Taça de Portugal, houve celebrações na cidade e os bares e esplanadas estiveram cheios de pessoas. Além disso, vão estar entre 15 e 20 alunos nas salas de aula…”, concluiu.

Contactada ontem, fonte da Universidade do Porto limitou-se a garantir que as praxes do próximo ano, a existirem, continuarão a não se realizar dentro das suas instalações. O i tentou ainda contactar as reitorias da Universidade de Lisboa, de Coimbra e de Évora, mas não obteve respostas até à hora de fecho desta edição.

No início de julho, recorde-se, as praxes académicas na Universidade do Minho foram canceladas. Num breve comunicado, foi divulgado que “se encontram suspensas todas as atividades de praxe com efeito imediato e até novas informações”.