Quando as gerações vindouras olharem para trás, vão ter orgulho do que os líderes europeus conseguiram esta semana. Estes são dias para a história. Pelo menos para todos os que, como o autor destas linhas, são acérrimos defensores da Europa e do que ela representa em termos de direitos, liberdades e uma ideia comum de prosperidade solidária.
Chegou ontem ao fim a maratona negocial de cinco dias no Conselho e os nossos líderes estiveram à altura das responsabilidades. Demoraram, mas estiveram. A cura económica para a pandemia vale 1.82 biliões de euros. É com esta bazuca que os povos da Europa vão refazer as nossas sociedades e reconquistar o nosso modo de vida no pós-pandemia.
O comboio de zeros é importante para voltarmos a recuperar a normalidade. Mas, tão ou mais importante do que isso, foi a Europa ter-se superado e dado uma inequívoca prova de vida e resiliência. Este Conselho marca uma viragem no sentido do reforço da união política, económica e social da Europa. Não chamar “obrigações europeias” ou “eurobonds” ao mecanismo de financiamento europeu junto dos mercados é um preciosismo sem o qual podemos bem viver.
Tantos foram os obituários escritos à UE, tantos foram os ataques que lhe foram disferidos – por inimigos declarados daquilo que este nosso espaço comum representa – e, porém, 27 estados nação, 27 identidades e interesses legítimos (alguns dos mais antigos da humanidade) puseram-se de acordo para combater a pandemia económica e social que vêm na pegada da pandemia de saúde pública.
Um acordo que serve portugueses e holandeses, alemães e gregos, polacos e italianos. Centenas de milhões de cidadãos europeus, no mesmo barco. Não vale a pena cantar a vitória de uns à custa de outros. Ganhámos todos porque ganhou o projeto de solidariedade europeia – ainda que sejam preocupantes os cortes significativos na Defesa (que visão estratégica há, afinal para a Europa?) e na Investigação e Desenvolvimento (queremos ou não que a Europa seja líder no século XXI?)
Ontem ninguém ficou para trás. E, como tal, hoje já ninguém tem dúvidas sobre quem serve e para que serve a Europa. Ela serve para isto: para manter vivo este espaço de tolerância, democracia e humanidade.
As contas estão mais ou menos feitas e, de forma simples, a resposta europeia à crise tem dois instrumentos: o Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros, com uma parcela de 390 mil milhões de euros em subvenções e outra de 360 mil milhões em empréstimos; e o Quadro Financeiro Plurianual com uma dotação global de 1.074 biliões de euros até 2029. O poder de fogo combinado destes dois instrumentos são os tais 1.82 biliões de euros.
E Portugal, o que ganha com o acordo? Qualquer coisa como 18 milhões de euros por dia até 2029. Repito: ao nosso país chegarão, diariamente, 18 milhões de euros. Com os cumprimentos de Bruxelas. Dito de outro modo, um bolo total de 56 mil milhões (15.3 mil milhões em subvenções + 10.8 mil milhões em empréstimos, oriundos do Fundo de Recuperação, 29.8 mil milhões do Quadro Financeiro Plurianual) que servirá para relançar e reformar a economia portuguesa.
António Costa conseguiu o que pode ser um bom acordo para o nosso país – independentemente das comparações que possam ser feitas com outros países, e que até nem nos são favoráveis. O primeiro-ministro esteve, desde a primeira hora, do lado certo da história nesta negociação.
Mas o que ficará para a história não é isso. O que importa, o que é politicamente decisivo é saber como é que António Costa vai usar esta milionária mesada europeia para do bom acordo fazer boa política pública.
Ao contrário do que aconteceu na durante a intervenção da troika, somos donos do nosso destino com o dinheiro dos outros. Pese embora sejam impostas regras que vão muito para lá das que foram impostas pela troika na crise anterior. Ninguém nos exigirá austeridade a troco de empréstimos – quanto mais de subvenções. Logo, estamos por nossa conta. Todas as opções políticas são da total e exclusiva responsabilidade do Governo português. E porque a responsabilidade é grande, e com a extrema-esquerda não se pode contar em matérias europeias (ainda que aqui se trate do desporto preferido de bloquistas e comunistas, gastar dinheiro), era desejável e recomendável que o PS abrisse portas a um pacto de regime com o PSD para criar uma agenda transformadora para a década. Do lado do PSD, a cooperação e o sentido de Estado tem sido total. O maior partido da oposição não pode ficar de fora do projeto de reprogramação da economia nacional para as próximas décadas, sob pena de, a cada eleição, se voltar a discutir a estratégia para o país. Também não pode o PS apresentar o documento de António Costa Silva como uma panaceia. Esse documento é um ponto de partida para a discussão de uma determinada visão para o país. Visão que tem de ser contrabalançada com o espírito e princípio das políticas públicas do PSD.
Estão assim criadas, felizmente, todas as condições para que a economia se erga rapidamente. Para que se voltem a criar empregos. Para que se alivie a carga fiscal às famílias e empresas. Para que, por fim, se criem condições para o país crescer sustentadamente durante uma década – ou para além disso.
Este é o tempo em que, como comunidade, faremos escolhas decisivas. Deveríamos todos ser incluídos nelas. Assim queira o Governo mobilizar o país para uma estratégia nacional e bipartidária.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira