Luís Filipe Costa. Um ventrículo para a rádio, outro para a realização

Luís Filipe Costa. Um ventrículo para a rádio, outro para a realização


Em 1974, no Rádio Clube Português, foi Luís Filipe Costa quem leu os comunicados do Movimento das Forças Armadas. Morreu ontem, em Lisboa.


Pequenino, sonhou ser ator. Já graúdo, na Faculdade de Económicas e Financeiras, decidiu um dia romper com o suceder dos dias e faltou a uma aula, ficando à porta, a decidir o que fazer naquela hora. Mal sabia que a gazeta lhe mudaria o rumo: passou entretanto um colega que ia para a Emissora Nacional gravar um programa de teatro radiofónico, que o desafiou a acompanhá-lo. Ele assim fez e, logo nesse dia, substituiu um ator em falta. E foi desta forma que Luís Filipe Costa acabaria por, aos 19 anos, abraçar uma carreira no mundo da comunicação que se espraiaria em várias frentes e ficaria pautada por uma longa relação com a RTP. A história deste começo foi contada por Maria João Gama, logo no início de uma entrevista biográfica pontuada a imagens de arquivo com o jornalista, radialista, escritor e também realizador. Luís Filipe Costa morreu ontem, aos 84 anos, avançou a RTP3.

Nascido a 18 de março de 1936, em Lisboa, estudou na antiga escola comercial Veiga Beirão. Depois de virar na encruzilhada da rádio, revolucionou-a e foi um dos nomes, na década de 60, a contribuir para reforma do jornalismo radiofónico no país. O mérito foi reconhecido: venceu prémios da Casa de Imprensa para o melhor radialista (1966 e 1974) e o Prémio SER (Sociedade Espanhola de Radiodifusão) em 1968.

Dirigiu ainda o serviço de noticiários do Rádio Clube Português (RCP), e, a partir do estúdio, ficou indelevelmente ligado à história do país. Foi ele quem leu, em pleno 25 de Abril, os comunicados do Movimento das Forças Armadas. No dia seguinte à revolução continuava ao microfone, para um serviço noticioso histórico em que recapitulou os acontecimentos mais relevantes da Revolução – a emissão pode ser ouvida online nos arquivos da RTP.

Foi após o 25 de Abril, e já na RTP, que encetou a carreira como realizador. Um caminho que já tinha ensaiado na rádio com programas como Quem tem Medo de Brahms?, distinguido inclusivamente com o Prémio da Rádio Húngara. Na televisão viria a assinar mais de trinta telefilmes e séries documentais e de ficção, partilhando por vezes a cadeira de realizador com a de argumentista. Morte D´Homem, Arroz Doce, e Esquadra de Polícia são alguns exemplos. Morte D´Homem (1988) recebeu em 1988 o Grande Prémio do Festival de Cinema para Televisão de Chianchino (Itália) e o 2º Prémio do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz. Visionário e atento ao curso dos tempos, é ainda da sua autoria série documental Há só uma Terra. O programa, estreado há trinta anos e apresentado pelo próprio, pôs pela primeira vez a ecologia na agenda e na programação da televisão em Portugal, tendo sido distinguido com Prémio da Crítica do Diário de Lisboa.

Entre outras distinções, recebeu ainda o Grau de Comendador da Ordem da Liberdade e o prémio de consagração de carreira da SPA, em 2011. E deixou ainda dois romances nos quais os esquissos cinematográficos que lhe comandavam o pulso são bem patentes: Agora e na Hora da sua Morte (Vega, 2008) e A Borboleta na Gaiola (Vega, 2009), um romance que também adaptou ao ecrã. Mas o projeto do cinema teve, porventura, a mais bonita consagração no seu legado familiar: Luís Filipe Costa era pai do cineasta Pedro Costa.