Benevento. Uma bruxa voando por entre os troca-tintas

Benevento. Uma bruxa voando por entre os troca-tintas


O clube no qual o brasileiro Dirceu disse adeus ao futebol e cujo atual equipamento surgiu de uma refrega contra o Avellino numa disputa de cores de licores locais, regressa à Série A comandado por Fillippo Inzaghi.


Diomedes, herói da Guerra de Tróia, Rei de Argo, foi um dos preferidos de Homero, na Ilíada. Depois da destruição de Tróia, seguiu para Benevento com a intenção de aprisionar o gigantesco e intratável javali da Caledónia, essa bruta besta inimiga de todos os paladinos da velha Grécia. Por isso a cidade da Campânia tem o porcino como emblema. Dá nome ao recém-promovido à série A Benevento Calcio, mas o chancho não entrou pela porta do futebol. O símbolo do clube é uma bruxa. Não, nada de surpreendente: Benevento também é conhecida pela cidade das bruxas por via dos cultos pagãos levados a cabo pelos longobardi, um povo germânico que se instalou nas margens do rio Sabato e que eram vistos pelos cristãos como praticantes de bruxarias. Montada na sua vassoura, sobre as cores vermelha e amarela, a bruxa do Benevento voou este ano por entre o drama do Covid-19 e, comandada por Fillippo Inzaghi, subiu de divisão com uma perna às costas, uma proeza assinalável se tivermos em conta que além de uma única presença na Série A (2017-18) só por três vezes disputou a Série B – ascendeu da Série C em 2016 e não voltou a descer tão baixo.

O emblema do Benevento pode exibir uma bruxa, mas quando o clube foi fundado, no dia 6 de Setembro de 1929, com o nome de Società Sportiva Littorio Benevento, jogava no campo de Santa Maria degli Angeli. Nunca foi organização de grande sossego. Sucessivas desaparições e refundações marcaram para sempre a história do Benevento que só a partir de 2005 parece ter, finalmente, um pouco de paz organizativa. Os nomes multiplicaram-se ao longo das décadas: Associazione Calcio Benevento; Società Sportiva Benevento; Polisportiva Benevento; Società Sportiva Calcio Benevento;Sporting Benevento…

 

Troca-tintas

 Também na tentativa de encontrarem uma roupagem significante, os dirigentes do Benevento foram uns autênticos troca-tintas. No ano do nascimento, a cor adotada foi o azul. E o negro em suplência para agradar aos fascistas que estavam no poder. No dia 24 de Setembro de 1947, num encontro amigável frente ao vizinho Avellino, uma ideia doida que tomou conta dos responsáveis por ambas as equipas: cada uma delas entraria em campo equipada com as cores dos dois mais famosos licores locais – o verde da camomila para o Avellino e o amarelo da mistura de 70 ervas que compõem o StregaAlberti para o Benevento. A brincadeira foi duradoura. O amarelo do Benevento juntou-se ao encarnado de forma definitiva a partir de 1990, adotando os tons heráldicos da cidade.

Infelizmente para os adeptos doBenevento, não vivemos tempos em que as manifestações coletivas sejam bem vindas e a festa da promoção acabou por ser discreta. O renovado Estádio Ciro Vigorito, antigo Estádio Santa Colomba, espera por dias melhores quando for possível ter os seus cerca de 18 mil lugares disponíveis para receberam a Juventus, o Milan ou o Inter. Pode ser um recinto pequeno e, talvez por isso, esteja sempre a abarrotar durante os jogos do clube. Com saudades dos tempos em que por ali passou um brasileiro cujo nome todos souberam de cor, Dirceu José Guimarães, ou apenas Dirceu, no ano em que resolveu encerrar a sua carreira.