União Europeia fecha portas a Brasil, PALOP e Timor-Leste

União Europeia fecha portas a Brasil, PALOP e Timor-Leste


Os critérios europeus parecem pouco objetivos. E deixam passar quem vem de regiões mais afetadas, caso os países, no geral, tenham uma situação estável.


A União Europeia prepara-se para abrir as suas fronteiras externas a 15 países, a partir de quarta-feira. Ficaram fora da lista gigantes como os Estados Unidos e a Rússia, mas o grande problema para Portugal poderá ser o Brasil, todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor-Leste. Estes também ficam com acesso limitado ao espaço europeu – têm de ser viagens essenciais e os passageiros ficam obrigados á apresentação de um teste de despiste negativo. António Costa já se comprometeu a acatar as indicações europeias.

Na lista de países de onde se pode viajar para a UE sem limitação, compilada pelo Conselho Europeu, que reúne todos os chefes de Executivo de Estados membros, estão a Argélia, Austrália, Canadá, Geórgia, Japão, Montenegro, Marrocos, Nova Zelândia, Ruanda, Sérvia, Coreia do Sul, Tailândia, Tunísia, Uruguai e China.

Estes países terão de retribuir abrindo as suas fronteiras também ao países europeus, o que não é certo, sobretudo no caso da China. Nos países que têm restrições, ficam isentos cidadãos europeus e os seus familiares, ou residentes a longo termo – a questão é como chegam cá sem voos.

A escolha de países teve como base critérios epidemiológicos: a velocidade de propagação da covid-19 nestes países deverá estar a estabilizar ou reduzir-se, e o número de novo casos de covid-19 nos últimos 14 dias ser inferior ou semelhante à média europeia.

Também se tem em conta que o número de casos registados tem muito a ver com esforços de testagem. Como tal, são tidos em conta “aspetos como a testagem, vigilância, medidas de identificação de contactos, contenção”, entre outros, escreveu o Conselho Europeu. A lista será atualizada de duas em duas semanas, e, “se a situação num país listado piorar rapidamente, deverão ser tomadas decisões de forma célere”, lê-se no comunicado.

“Se olhar com atenção, não há aqui grande objetividade”, nota Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), ao i.

“Diz-se que o número de novos casos deve ser inferior ou próximo à União Europeia, não se diz o que é próximo”, exemplifica o professor. “Quando se diz que a tendência está estável ou no sentido de decrescer… Aqui há um bocadinho mais de objetividade, porque a tendência pode ser medida estatisticamente. Mas mesmo assim…”, continua. “A parte final, onde se diz que há uma avaliação da resposta e das informações disponíveis, ainda é pior”, considera. “Mas compreendo que a União Europeia ponha as coisas desta forma: dá uma grande margem de manobra para definir quais são os países que sim ou que não”.

A decisão por parte do Conselho Europeu foi tudo menos fácil. De um esboço de 50 países de onde se poderia fazer viagens não essenciais para a UE, chegou-se a uma lista final de 15 países, após uma longa discussão. Um certo nível de consenso seria sempre essencial numa discussão deste género: havendo liberdade de movimento dentro do espaço Schengen, um único país poderia ser porta de entrada para todos os outros.

No entanto, a liberdade de movimento dentro da Europa não será absoluta. Por exemplo, continuam a ser proibidos os voos diretos entre a Áustria e Portugal pelo menos até 15 de julho. A lista foi revista ontem, mas Portugal manteve-se lá, ao lado da Bielorrússia, Irão, China, Rússia, Suécia, Ucrânia, Reino Unido e norte de Itália, informou ao i a embaixada portuguesa em Viena.

 

Preto e branco

Obviamente, há países que não se enquadrariam em quaisquer critérios de abertura de fronteiras europeias, como é o caso do Brasil, cujo surto de covid-19 acelera a olhos vistos. Com mais de 58 mil mortes e 1,3 milhões de casos registados, e tendo feito menos de um oitavo dos testes per capita de Portugal, o Brasil tornou-se num dos maiores contribuidores de novos casos de covid-19 à escala global, ao lado dos EUA e da Índia.

Contudo, há países em que a situação poderia ser menos clara, como no caso dos PALOP ou de Timor-Leste: ontem, este último tinha 24 casos confirmados, Moçambique 889, Angola 276, Cabo Verde 1226, São Tomé e Príncipe 713, Guiné-Bissau 1654 e a Guiné Equatorial 2001. Nestes países, o número de casos tende a ser muito baixo, talvez devido à falta de testagem, ou até ao tipo de testagem que se faz. “Se a testagem for aleatória, vai haver menos casos. Se for dirigida aos contactos confirmados de doentes infetados, haverá mais casos”, afirma Carmo Gomes.

“Há países para os quais as coisas são a preto e branco. No Brasil, aquilo é uma situação negra. Depois há países em que há uma situação branca, têm a situação completamente sob controlo. Mas a maioria dos países está numa zona cinzenta, seria preciso critérios muito cirúrgicos para os distinguir”, considera o professor.

 

Olhar de alto

Outro potencial problema dos critérios europeus é que são tomados como base na situação nacional. “Tudo o que seja ter em atenção uma grelha mais fina que o país como um todo faz sentido, porque os países são muito heterogéneos no que diz respeito ao risco de infeção”, assegura Carmo Gomes. “Se é exequível ou não, é outra conversa”.

Por exemplo, um viajante oriundo de Sydney, na Austrália, vem de uma região com uma situação muito estável; o mesmo não pode ser dito de quem venha de Melbourne, onde 36 bairros foram postos em confinamento mais um mês, ainda ontem, devido a surtos localizados.

Na segunda-feira foram registados 75 novos casos no estado de Vitoria, onde fica Melbourne, enquanto no resto do país houve apenas seis, todos importados. Não é de espantar que boa parte dos restantes estados australianos tenham fechado as fronteiras com Vitória.

Ou então, vejamos o próprio caso português, como aponta o professor da FCUL. “Quando se olha para a região de Lisboa e Vale do Tejo, tem uma ligeira tendência ascendente, mas quando se olha para o resto do país há uma tendência descendente”, explica. “E países que sejam muito grandes, terão grandes regiões onde as coisas podem estar estáveis, outras a subir”.

A generalização de critérios epidemiológicos até já causou problemas a Portugal: a sua inclusão na lista de países com corredores de viagem com o Reino Unido é posta em causa, muito devido aos surtos em Lagos e Lisboa – a decisão final será conhecida esta semana.