Coligação nacional contra a pandemia


Portugal está naquele ponto em que o gongo que pode salvá-lo do KO, afinal, toca chamando ao ringue para um novo round contra a covid-19.


1. De repente instalou-se no país a ideia de que o combate à pandemia tinha corrido maravilhosamente. Que Portugal era uma espécie de “milagre” no meio da escuridão europeia. Essa sensação perniciosa de “sucesso” cultivou o sentimento da invencibilidade. Quase tudo foi permitido a quase todos: praias, manifestações, espetáculos no Campo Pequeno.

O resultado não se fez esperar e o país tem, por estas semanas, um dos piores registos de novos casos em toda a Europa.

Como aqui escrevi insistentemente, não há medida de sucesso numa pandemia. Por duas razões. Em primeiro lugar, por defeito das circunstâncias, teremos sempre mortes a lamentar. As sociedades ocidentais, humanistas e civilizadas, não podem laborar a ideia de sucesso em cima da perda de vidas humanas. Em segundo lugar, porque a realidade é mutável e nenhum decisor tem o controlo da situação.

Por excesso de confiança e algum desleixo, deixámos o grupo de nações que estão a “vencer a crise”. Já nem sequer estamos na equipa dos que “estão quase a vencer” a pandemia. Não. O tombo foi tão grande que caímos para o grupo dos que “precisam de ação”.

Essa necessidade de ação para enfrentar a “segunda vaga” chega quando temos os profissionais de saúde exaustos, cidadãos impacientes, as lideranças na política ou nas empresas com os níveis de tolerância em mínimos e, nas ruas, oportunistas de esquerda e de direita mostram a pobreza ideológica dos extremos e a sua inutilidade prática.

Portugal está naquele ponto em que o gongo que pode salvá-lo do KO, afinal, toca chamando ao ringue para um novo round contra a covid-19.

Este combate não está perdido. Não pode estar e não vai ser perdido. Podemos e vamos ser bem-sucedidos. Mas para isso precisamos de três coisas: uma liderança sem ambiguidades e com bom senso; que todos se unam num só objetivo, vencer a pandemia; que haja igualdade perante a lei, igualdade de circunstâncias e igualdade de acesso à informação.

A resposta à pandemia é uma coligação nacional. Não no sentido estrito político-partidário em que PS e PSD se apoiam mutuamente, matando a saudável divergência democrática, mas no sentido amplo do termo: Governo, Estado central, Estado local, economia social, empresas, universidades, igrejas, comunidade científica, profissionais de saúde, de proteção civil e militares – quer na vertente operacional quer, muito especialmente, na estratégica. Portugal precisa que todos concentrem as suas energias no mesmo objetivo comum. Essa é a maneira mais rápida de recuperarmos as nossas vidas. Representantes do Governo, como o secretário de Estado Duarte Cordeiro, tiveram a sensibilidade de perceber este ponto das igualdades. Removendo burocracias inexplicáveis em contexto de emergência, derrubando quintas, Duarte Cordeiro criou igualdade de circunstância (entre Estado central e Estado local) e igualdade de acesso (à informação) quando decidiu partilhar os dados da saúde pública com as autarquias.

2. A coligação nacional deve começar por ser ensaiada com coligações regionais. Não é por acaso que a Área Metropolitana de Lisboa é, aos dias de hoje, o ponto focal da infeção no nosso país. Na AML, o maior eixo demográfico, económico e industrial do país, as pessoas trabalham no concelho A, vivem na cidade B e, não raras vezes, consomem bens e serviços no município C. A interconexão fundamenta a prosperidade relativa desta região. Mas esta interdependência é, em contexto de pandemia, uma fragilidade. A conectividade regional depende de uma rede capilar de transportes públicos que é, sobretudo nos rodoviários, onde se registam maiores problemas de não observância das regras de saúde pública. É claro para mim que a resposta será tão mais eficaz quanto mais supraconcelhia for. Exige-se uma resposta coordenada, uma resposta da coligação regional. Mas que não haja equívocos: mais vale uma resposta local do que nenhuma resposta regional. E, nesse sentido, se a AML não recolocar o nível de serviço e oferta nos 100% – coisa que em Cascais fizemos logo no dia 1 do desconfinamento, acrescentando carreiras de desdobramento –, tomarei medidas drásticas. Como Autoridade Municipal de Transportes, mas sem poder de intervenção nas rotas intermunicipais, recuso-me a ficar de braços cruzados e a assistir à multiplicação descontrolada de potenciais cadeias de transmissão nos nossos transportes. Por isso, tenho muito claro o seguinte: caso a AML não apresente uma solução efetiva até ao final desta semana, na próxima segunda-feira, todas as rotas intermunicipais serão paradas à entrada de Cascais. Os passageiros farão testes de temperatura e farão, depois disso, transbordo para rotas municipais.

Os críticos não tardarão a apontar o dedo acusador de despesismo e controlo. Má sorte a deles: treinadores de bancada nunca venceram jogos – muito menos, crises. Que fique claro: na pandemia, a ação não se adia.

3. E assim chegamos ao terceiro patamar da coligação nacional: a federação de todos os indivíduos e instituições, localmente. O poder autárquico é aquele que, por natureza, está mais bem preparado para promover essa mobilização de esforços. Em Cascais, nesta nova fase de combate à covid-19, estamos a fazê-lo garantindo que ninguém fica para trás. Com as três pandemias – saúde pública, económica e social – a atacarem em força os bairros mais fragilizados, o município vai entrar em força para garantir que todos se mantêm no mesmo barco: oferecendo máscaras a quem não tem rendimentos, testando gratuitamente todos os cidadãos e garantindo comida na mesa a quem caiu na situação de desemprego. Para mostrar que o poder político está onde os cidadãos precisam dele, que a autoridade não se esconde, lançaremos esta semana 42 postos de apoio avançados nos bairros de Cascais. Para além de tratarmos do corpo, também trataremos da saúde mental com uma equipa de psicólogos que estará a todo o tempo a prestar apoio.

Há alguns anos, aqui no Estoril, Mohamed El Baradei dizia que perante uma crise temos dois caminhos: ou vencemos, quando todos somos um; ou perdemos, quando é cada um por si. Este é um momento definidor.

Podemos ser egoístas e medir egos. E falhar.

Podemos ser todos por todos. E vencer.

O vírus tirou-nos a liberdade de muita coisa. Mas esta liberdade, a de decidir quem somos e o que queremos para o nosso destino, depende apenas de nós. Saibamos estar à altura de uma coligação nacional.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira