Um passo à frente


Em Cascais optámos pelo percurso mais difícil. Temos estado um passo à frente da conjuntura pandémica. É por aí que se conquista espaço estratégico vital no combate à maldita covid-19.


A única certeza que um líder tem quando enfrenta uma crise é que ela será incerta. Isso deixa duas opções estratégicas ao decisor: ou tenta ter algum tipo de controlo dos acontecimentos ou deixa-se ser controlado por eles. Embora o resultado desejado seja incerto em cada um dos casos, sabemos que o primeiro caminho – o que exige mais pensamento estratégico, mais esforço financeiro e maior compromisso das equipas numa organização – é o único que oferece pelo menos a possibilidade de conquistar graus de maior liberdade e sustentabilidade.

Em Cascais optámos pelo percurso mais difícil, ainda que seja o único capaz de oferecer confiança e segurança aos cidadãos. Temos estado um passo à frente da conjuntura pandémica. É por aí que se conquista espaço estratégico vital no combate à maldita covid-19.

Porque não acredito que, no séc. xxi, o segredo seja a alma do negócio, e porque há concelhos vizinhos com quem me solidarizo no combate a este maldito vírus, partilho o nosso mapa de combate à crise.

Primeira fase: cuidar de quem cuida, proteger quem protege. Se esta é uma crise de saúde pública de grandes proporções, a sociedade não se pode dar ao luxo de perder os soldados na linha da frente. Em março, o primeiro avião a aterrar no país com máscaras e equipamentos de proteção individual (EPI) oriundos da China teve como destino Cascais. Recordemos como, nessa época, os EPI eram uma hot commodity. Com essa gigantesca encomenda criámos uma linha de abastecimento gratuita e constante (de máscaras, luvas, fatos e gel) a forças de segurança, proteção civil, profissionais de saúde, IPSS, transportes públicos e lares.

Segunda fase: segurança no novo normal. Com a armadura criada para a linha da frente e com um canal logístico a funcionar em permanência, Cascais pôde criar formas de abastecer a população de forma consistente. Primeiro, ainda no período de estado de emergência e num tempo em que as máscaras chegavam facilmente aos 2€ por unidade quando, em Cascais, já eram cedidas a 0,70€, com um programa de distribuição aos cidadãos via instituições da sociedade civil – clubes, associações e IPSS. O objetivo era garantir que pelo menos um elemento no agregado familiar tinha condições de ir à rua em segurança.

Mais tarde, durante o mês de abril, e percebendo que as máscaras iam fazer parte da nossa vida durante muito tempo, adquirimos duas máquinas e criámos uma unidade industrial capaz de produzir 5 milhões de máscaras cirúrgicas por mês – máscaras que chegam a todos os cidadãos através de uma rede capilar de 400 dispensadores na rua.

Com esta vantagem diferencial, assim que o estado de emergência foi levantado, Cascais foi capaz de baixar o valor unitário de cada máscara para 0,25€ e de implementar um plano de distribuição gratuita de máscaras nos transportes públicos.

A estratégia que seguimos nos EPI permitiu-nos ganhos muito importantes: (1) quebrámos o ciclo especulativo no mercado local de máscaras; (2) ganhámos autossuficiência na produção; (3) previsibilidade nos operadores económicos e sentimento de segurança nos cidadãos com uma cadeia de abastecimento fiável e regular; (4) criámos as condições para a economia local voltar a arrancar; (5) cortámos custos de importação, aquisição e transporte.

Terceira fase: testar, testar, testar. Quebrar as cadeias de transmissão é determinante. Por isso, e depois de, em colaboração com as autoridades nacionais, termos sido dos primeiros concelhos do país a montar centros de testes covid, fomos mais longe e adquirimos milhares de testes rápidos. Testámos todos os lares do concelho, a sua população idosa e colaboradores. Testámos todos os trabalhadores de restaurantes que quiseram submeter-se ao teste para dar confiança aos consumidores. E testámos todos os profissionais que, sentindo necessidade disso na sua atividade, prestam serviço ao público.

Mas não ficámos por aqui. Olhando para o que de melhor se faz lá fora, planeámos um ambicioso programa de testes serológicos, gratuito e para todos os cidadãos de Cascais, que ao longo dos próximos meses vai fazer uma caracterização da doença. Em parceria com a Roche, com os laboratórios Joaquim Chaves e Germano de Sousa e com a Fundação Claude & Sofia Marión, estamos a fazer o que nunca foi feito e a tentar o que nunca foi tentado em Portugal.

Quarta fase: estimular o emprego e o investimento. Enquanto fundávamos os princípios de segurança individual e combate na saúde pública lançávamos as sementes de um novo período de desenvolvimento. A Cascais Invest, liderada por António Saraiva, saiu do papel para ser a agência municipal de captação de investimento estrangeiro e elo gerador de cadeias de valor; novos programas de emprego foram lançados, para aplacar a crise; e taxas foram anuladas para desonerar o comércio e serviços.

Estas fases não foram estanques. Correram, muitas vezes, em simultâneo. E é assim que chegamos a uma quinta fase: combate à pandemia através da promoção da saúde e da coesão social. Ontem apresentámos em Cascais um autocarro-laboratório que levará até às populações mais frágeis do concelho o programa de testes serológicos de que falei atrás – uma parceria da câmara com as entidades mencionadas, a que se juntaram Salvador Caetano, Estoril Sol, Siemens e A. Santo.

Todavia, não se tratou apenas de um autocarro. É o instrumento mais visível da nossa nova abordagem ao problema económico e social: não esperamos que os problemas venham até aos paços do concelho; vai o poder político até aos problemas. Em parceria com o Governo, federando os serviços de saúde pública e segurança social, rostos do Estado social local, entraremos em 42 bairros de Cascais para realizar testes e, em simultâneo, passar a distribuir máscaras gratuitamente. É nos bairros e nas ruas que se trava hoje a grande batalha pela dignidade na dificuldade. Há fome em Cascais e há fome em muitos lugares do nosso país. Fome mais ou menos envergonhada. Para atacar essa pandemia, temos caixas solidárias por todo o concelho e teremos também um programa de reforço alimentar que, em parceria com os supermercados, permitirá criar cabazes de produtos essenciais com 50% de desconto para os mais necessitados. Além de cuidar do corpo, também cuidaremos do espírito, com um grande enfoque na saúde mental. As nossas equipas estarão na rua para serem a primeira linha de apoio e de ajuda.

Esta é a nossa “bazuca”. E embora não dispare biliões de euros sobre os problemas, tem na proximidade e na centralidade social de cada pessoa valores com a capacidade para neutralizar as pandemias de saúde pública, do desemprego e da fome.

Em Cascais temos sido todos por todos. Continuaremos um passo à frente, porque essa é a melhor forma de não deixar ninguém ficar para trás.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira