Rui Rio, numa abstenção inédita do PSD, viabilizou o Orçamento suplementar, invocando obrigação patriótica deste partido, mas no final, limitou-se a assumir as dores de António Costa quanto à indecisão sobre o que fariam o PCP/BE.
E o primeiro-ministro, Orçamento aprovado, tratou de separar águas futuras e não perdeu tempo a passar para a edição deste sábado de um semanário, de que esta não é uma fórmula para o futuro (isto é, governar com o apoio do PSD).
E que haverá um entendimento “com horizonte da legislatura” à esquerda, cimentado a propósito daquele plano uninominal a ser lançado em 2021 e que será proposto por “consultor” contratado para o efeito …
Haverá então uma nova aproximação aos partidos da ‘geringonça’ (e ao PAN), e no centro das negociações estará o novo ministro de Estado e das Finanças.
Nos próximos dias, o ministro vai falar com BE, PCP, PEV e PAN para retomar o diálogo com mais profundidade e lançar pontes para um entendimento duradouro.
E o que quererá dizer “entendimento duradouro”?
a) “Entendimento duradouro” pode significar o que já existe hoje, isto é qualquer coisa conforme os dias e as trocas de oportunidade acordadas;
b) pode mesmo querer dizer governo de coligação com ministros do PCP/BE;
c) em todo o caso, a assumpção reiterada da consolidação das ideias, propostas e empatismo que trouxeram Portugal ao definhamento económico e social em que se encontra.
Parece que todos anteciparam as horas seguintes ao Orçamento, menos Rio.
Mensagem ainda complementar e implicita de A. Costa, na vertente do seu primarismo anti-direita: o PSD e a direita em geral são dispensáveis, salvo quando é preciso “patriotismo parlamentar”, coisa que a extrema-esquerda desconhece.
Visto pelo lado do interesse do país e em consonância com um mínimo de coerência, toda a esquerda deveria ter sido amarrada a este orçamento suplementar, que é uma decorrência da sua gestão no tempo, propostas e princípios.
Visto pelo lado do PSD, o voto de abstenção deixou a imagem de um partido bonzinho, mas inconsequente e sem vigor alternativo.
E o equívoco é dramático.
Todo o mundo já percebeu que A. Costa vive feliz com a “coligação” de concubinato de interesses com o PCP/BE e que esta opção de A. Costa privilegia apenas a permanência no poder e não a recuperação sólida e reestruturada da economia nacional.
Todo o mundo já percebeu que estão lançadas as bases para Portugal chegar a 2030 na posição medíocre em que se encontra no espaço europeu, que não aproveitou cinco anos de prosperidade mundial e agora sofre mais com esta crise e os seus efeitos.
Todos terão percebido menos Rio que nenhuma consequência política daí retirou.
Todo o mundo já verificou a menoridade estratégica em que caiu o PSD, à bolina sem presente, ausente de protagonismo liderante com outras forças não-socialistas de alternativa política a este governo.
Rio conseguiu um êxito.
Fez desaparecer aquele PSD rebelde, indomável, anti-socialista e profundamente livre, incapaz de entrar neste jogo de fachadas contemporizadoras, com uma situação política nacional deplorável.
E António Costa, no destrambelho a que conduziu o país, sem conseguir resolver a crise sanitária e tranquilizar os portugueses, acaba por ser politicamente coerente.
Foi com o PCP/BE que chegou a primeiro-ministro, pode o PSD também querer ser “patriota” que não consegue sabotar a sua “casa-mãe”: e reafirma-o na primeira oportunidade como aconteceu agora.
E até se pode dizer que esta postura de Costa ajuda à clarificação: o equívoco fica todo com Rio.
Dirão alguns que estas considerações sobre a condução interna do PSD (de um partido que conheço bem e onde aliás estive muitos anos) apenas respeita aqueles que são e frequentam a casa.
Não é verdade.
Os partidos políticos são estruturas de defesa e promoção do interesse nacional, são instituições do regime e assim ficam sob o olhar exterior …
E há aspectos que mesmo na lógica da decisão interna, penalizam o interesse de todos.
A atitude partidária de quem não mostra outro caminho e não repudia o que Portugal actualmente segue, cria um bloqueio que é uma calamidade política colectiva, imprópria da democracia.
O que Rui Rio anda a fazer e se observa sem esforço, é a tentativa de entrar num baile, há anos a oferecer-se para dançar e acaba ignorado …
Já à direita, Rio acha que tem dote a mais para entrar na dança e ignora os apelos para uma união de esforços.
Imaginem-se as reações e a “revolução” que seria esta ficcionada notícia: “Rio propõe estados-gerais com todos os partidos não-socialistas, para uma nova maioria 2021 e apresenta candidato a Presidente da República”.
Ponto é que a ficção noticiosa, que neste caso seria a óbvia solução política, não encontra protagonista real.
Os actores preferem continuar no baile de S. Bento.
Covilhã, Junho 2020