Salif Keita. 500 quilómetros de táxi para cumprir o caminho  das estrelas

Salif Keita. 500 quilómetros de táxi para cumprir o caminho das estrelas


Tinha 30 anos quando chegou a Alvalade para substituir Yazalde. Não repetiu as épocas brilhantes do Saint-Étienne, mas tornou-se inesquecível.


Enquanto o Benfica se manteve teimosa e solitariamente agarrado à sua filosofia de não aceitar jogadores estrangeiros, ia cabendo ao FC Porto e ao Sporting (de quando em vez, ao Belenenses) fornecerem ao futebolzinho nacional algumas estrelas brilhantes, de tal forma polidas que a sua autenticidade era indiscutível.

Quando Salif Keita Traoré assinou pelo Sporting, em 1976, já tinha 30 anos e mostrado todo o seu valor em clubes como o Saint-Étienne, o Marselha e o Valência. De certa forma, veio para a pré-reforma nesse tempo em que o Mali podia ser o país que possuía a cidade mágica de Timbuctu, mas ficava muito distante do universo ainda bastante fechado do jogo inventado pelos ingleses. Em 1967, Keita tinha deixado o Real Bamako e aterrou em Paris. Não havia ninguém à sua espera. Chamou um táxi e pediu para o conduzirem ao Estádio Geoffroy-Guichard, em Saint-Étienne. O taxista estranhou: eram mais de 500 quilómetros. Keita garantiu-lhe que a corrida seria paga por alguém. Foi. Numa equipa do Saint-Étienne com estofo para conquistar três campeonatos de França consecutivos, somando-lhes também duas Taças de França, superou-se. O mais jovem de todos os internacionais do Mali, que se estreara pela equipa principal do seu país com apenas 16 anos, tinha todos os motivos para se sentir realizado. A sua qualidade técnica, a sua velocidade e a sua incrível vivacidade entusiasmavam o público, que o trazia nas palminhas. Ainda por cima fazia golos em barda: em 185 jogos pelos verdes de Saint-Étienne, apontou 141. Lado a lado com outro africano, Rachid Mékloufi, argelino, transformava-se num pesadelo para qualquer defesa. A Europa aprendia também a dizer o seu nome. Sobretudo quando, no dia 1 de novembro de 1969, no Estádio Geoffroy-Guichard, marcou o golo decisivo que sublinhou uma das reviravoltas mais extraordinárias da Taça dos Campeões. Aos 81 minutos bateu Sepp Mayer de forma inapelável e derreteu a vitória do Bayern de Munique na primeira mão (2-0), expulsando-o da prova logo na primeira eliminatória (3-0).

Trota-mundos A fera que se revelava sobre a relva era um homem educado e pacífico fora dela, sempre de sorriso aberto. Albert Batteaux, um dos seus antigos treinadores, dizia que o excesso de humildade o impedira de vir a ser ainda maior do que foi. Convencido por dois antigos companheiros de equipa, Cornus e Bosquier, trocou o Saint-Étienne pelo Marselha. A escolha foi errada. Deveria ter feito dupla de ataque com o grande Josip Skoblar, mas havia um sueco chamado Roger Magnusson, que passara pelo Colónia e pela Juventus, que complicava as contas ao treinador. Só podiam jogar dois estrangeiros por partida e o jugoslavo Skoblar era intocável. Para Salif Keita tinha chegado a hora de voltar a partir. Um ano em Marselha chegara-lhe e sobrara.

Mil novecentos e setenta e três: o treinador do Valência é Alfredo Di Stéfano. Keita cria expetativas de que o lendário Don Alfredo possa ainda ensinar-lhe algo de novo. Reparte o ataque com um jovem holandês chamado Johnny Rep. O Valência foi certamente o clube onde Di Stéfano teve mais sucesso como técnico. Chegou a ganhar o campeonato de Espanha, mas antes da chegada de Keita. O maliano acabaria por ser vítima de um ambiente entre treinador e direção que se degradava a olhos vistos. Di Stéfano veio para Lisboa, no verão de 1974, treinar o Sporting, mas não durou mais de 46 dias, corrido a pontapé após uma derrota à terceira jornada, em Olhão (0-1). Curiosamente, Salif Keita não tardaria a seguir-lhe os passos, entrando na Porta 10A.

João Rocha, presidente dos leões, convenceu-se de que Keita era o jogador ideal para substituir Yazalde, o ponta- -de-lança argentino que saíra entretanto para o Marselha. Parecia que as rodas dentadas teimavam em encaixar-se umas nas outras. Alvalade deixou-se encantar pelo estilo do maliano. Jimmy Hagan era o treinador e apostou num trio ofensivo formado por Manoel, Manuel Fernandes e Keita. Vinte e sete jogos e 14 golos são um bom princípio, embora o título fuja aos leões. No ano seguinte, Keita marcou nove golos em 30 jogos mas, para compensar, o Sporting vence a Taça de Portugal. Há muito que o maliano não saboreava uma conquista.

Os anos vão-lhe pesando. Não conclui a última época em Alvalade: sai em abril de 1979 depois de 21 jogos e dez golos. O seu último clube seria o Boston Tea Men, dos Estados Unidos. O Mali não o esqueceu. Fez dele presidente da federação e assessor desportivo do Presidente da República. Engordou e continuou sorrindo…