Caminho aberto para Centeno ser o novo governador do Banco de Portugal

Caminho aberto para Centeno ser o novo governador do Banco de Portugal


Chefe de Governo diz que ex-ministro não pode ser perseguido. O PAN responde: “António Costa e o PS têm uma habitual dificuldade em travar problemas de conflitos de interesses”.


A posse da nova equipa das Finanças durou cerca de dez minutos, mas o que fica para a história do momento (além da cerimónia sem público e com obrigação de uso de máscaras) é a declaração do primeiro-ministro, António Costa, ao admitir que o ministro cessante é “uma hipótese” para o cargo de governador do Banco de Portugal. Mais, criticou quem no Parlamento quer aprovar uma lei que impede a passagem do ex-governante para a supervisão. “Mário Centeno cometeu algum crime?”, perguntou o chefe de Governo, acusando alguns partidos de estarem com “alguma “fúria” e a quererem “perseguir” o agora ex-ministro.

“Num Estado de direito democrático são inadmissíveis leis ad hominem com a função de perseguir pessoas. Não costumo comentar iniciativas parlamentares, mas pela gravidade dessa iniciativa não posso deixar de dizer que é absolutamente incompatível com o Estado de direito democrático”, atirou António Costa, acrescentando que “há pessoas a quem o confinamento deve ter feito mal”.

Pela primeira vez, Costa foi claro a deixar o caminho aberto a Centeno para suceder a Carlos Costa. Mas prometeu ouvir os partidos, o que deve ocorrer após a aprovação final global do Orçamento Suplementar.

No Parlamento joga-se entretanto um xadrez político para tentar travar a ida de Centeno para a supervisão. O projeto de lei do PAN para impor um período de nojo de cinco anos (quatro anos de uma legislatura mais um) foi aprovado há uma semana. André Silva, porta-voz do partido, já respondeu às críticas do primeiro-ministro: “António Costa e o Partido Socialista têm uma habitual dificuldade em travar problemas de conflitos de interesses”.

Recorde-se que, há uma semana, só o PS votou contra, mas o PCP e o PEV abstiveram-se. A batalha segue agora na especialidade, com o PAN a querer acelerar o processo. Contudo, não deverá contar com o apoio dos comunistas nem do Bloco de Esquerda. “O processo não deve ser empatado nem apressado”, avisou ontem a deputada Mariana Mortágua, do BE.

A parlamentar bloquista defendeu, contudo, que “Mário Centeno não reúne as condições políticas para ser nomeado governador do Banco de Portugal e que o primeiro-ministro não deverá nomeá-lo se a sua proposta não obtiver apoio maioritário no Parlamento. Para o Bloco, esta deveria ser uma regra legal, tornando-se uma escolha imperativa neste contexto”.

Assim, as intenções do PAN devem sair goradas, porque a lei, seja ela qual for, não deverá chegar a tempo de criar um travão legal para o ex-ministro das Finanças. O próprio PCP já fez saber que não se devem acelerar audições nos processos legislativos. No debate na generalidade, Duarte Alves já tinha avisado que o “principal problema de idoneidade está na captura do regulador pelo próprio setor”.

O CDS, pela voz de Cecília Meireles, avisou ontem, citada pela RTP, que Costa foi “desagradável” e até “pouco delicado” na reação ao trabalho que está a ser feito no Parlamento. Mais, recordou que os centristas defendem um período de nojo de três anos para os políticos que passem para supervisão ou para reguladores, desde 2009.

O PAN, autor da proposta, não poderia estar em maior desacordo com o primeiro-ministro. Ao i, André Silva insiste que o projeto do partido tem como único objetivo “acabar com os sistema de portas giratórias que tem existido entre o Banco de Portugal e o poder político, a banca comercial e as consultoras financeiras ao longo dos anos, seja com Governos de esquerda, seja com Governos de direita. O PAN não tem nada contra Mário Centeno, a quem, aliás, reconhece competência técnica”. Mais, deveria ter ficado no Governo para que o país “pudesse enfrentar com mais segurança” a crise provocada pela pandemia de covid-19. Mas André Silva sustenta que “este salto direto da pasta das Finanças iria politizar uma instituição que se quer eminentemente técnica”. E coloca perguntas: “Que objetividade e independência iria garantir Centeno quando tivesse de tratar de pastas sensíveis como a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos ou a resolução do Novo Banco, ou do Banif, onde, como ministro das Finanças, teve um papel determinante?” Assim, “só quem sofre de partidarite ou está imbuído de um taticismo político não consegue ver [o problema]”, concluiu André Silva.

Já João Paulo Correia, do PS, diz ao i que é obrigatório “pedir parecer ao Banco Central Europeu porque os estatutos que regem os bancos centrais assim o determinam”, numa alusão à intenção socialista de não abdicar de etapas. E André Silva, do PAN, responde: “Manobra dilatória é de certeza, porque o PS tudo está a fazer, a mando de António Costa, para obstaculizar este processo”. E a guerra processual vai prosseguir já amanha, dia 17, na Comissão de Orçamento e Finanças, no debate de especialidade.

O PSD não quer um período de nojo de cinco anos, mas de dois ou três, e o PAN não se oporá: “Não é ótimo. É o bom”.

Por seu turno, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não vê problemas na ida de Centeno para a supervisão e prefere aguardar pela versão final da lei, aprovada no Parlamento, para se pronunciar.

Assim, Costa não terá obstáculos de Belém, se quiser (como tudo indica) escolher Centeno para a supervisão. A decisão terá de chegar até 10 de julho, quando Carlos Costa terminar o mandato.