Como já aqui escrevi, as pandemias são tipicamente os mais potentes reinicializadores da história. O poder dos micróbios muda hábitos da vida quotidiana, dizimou cidades inteiras no passado e foi até capaz de derrubar impérios poderosos. A Londres da peste negra era uma cidade morgue. Os Incas e os Aztecas caíram mais pelos germes europeus do que pelos seus exércitos.
A cada pandemia, a história mostra-o, o edifício social foi rasgado por falhas sísmicas fortíssimas.
Como escrevia há dias o magnifico escritor e historiador britânico Simon Schama, as forças libertadas pelas pandemias confinam a sociedade ao espaço de um quadrado. Esse quadrilátero de tensões é formado (1) pelo stresse económico, (2) pela convulsão social e religiosa, (3) pela urgência de progresso médico e (4) pela manifestação do poder (político).
Temo que a vida das democracias seja curta emparedada neste quadrado forças. Trabalhar cada um destes eixos é uma urgência republicana (a propósito, nunca no mundo tantas democracias experienciaram, em simultâneo, o combate a uma pandemia. O que não deixa de ser um teste duríssimo aos pilares do regime da liberdade).
Centro-me, neste texto, nos dois primeiros lados do quadrado. Quanto à questão económica, tenho a convicção de que a herança pesada de combate ao vírus associada à maior contração económica mundial desde 1930 vai moldar a nossa realidade durante algum tempo – pelo menos até a bazuca de euros da União Europeia começar a disparar sobre tudo o que mexe.
Está a formar-se aquilo a que tenho chamado a “pandemia económica”, ou seja, o processo generalizado de degradação das condições da atividade económica e de destruição de riqueza.
Tal como na crise de saúde pública, também no combate à pandemia económica a resposta tem de ser dada a vários níveis: ao nível global, mantendo os fundamentos do comércio livre e da globalização responsável; ao nível regional, com ambiciosa proposta de estímulo semelhante aquela que foi avançada pela Comissão e com folga na política monetária por parte do BCE; ao nível nacional, com uma gestão criteriosa dos dinheiros públicos, com uma definição correta dos setores onde podemos ser competitivos internacionalmente e com um projeto de reforma que projete o país para o futuro; ao nível local, por último, com a operacionalização de programas que captem, fixem e desenvolvam investimento, talento e assim, projetos e empresas.
Em Cascais já arrancámos com o nosso plano de neutralização da pandemia económica. Sabemos que não vamos vencer sozinhos. Mas sabemos que fazer a nossa parte é o primeiro passo para ser bem-sucedidos. A pedra de toque do nosso programa de captação de investimento chama-se “Cascais Invest”. E o que é? É uma plataforma para a captação de investimento cuja missão é divulgar Cascais como destino, atrair investidores e acompanhar o processo de instalação de empresas no concelho. Dá-nos a honra de estar no lançamento desta ideia o Ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Veira. Presidida por António Saraiva, também presidente da CIP, com Leonardo Mathias, ex-secretário de Estado da Economia, e uma série de série de empresários sedeados no nosso concelho, o Cascais Invest é lançado precisamente agora para dar o exemplo: de crença no futuro, de crença nos empresários e na nossa economia, de crença nos cascalenses. E, por fim, de crença de que será seguramente também por Cascais que o país encontrará portas de saída para a crise.
Uma crise que é económica mas é também social. São dois fenómenos extremos que se alimentam num ciclo de reciprocidade exponencial: a pandemia económica promove a pandemia social.
É a economia que gera o emprego. Mas no contexto atual, mais do que nunca, exige-se dos poderes públicos uma agenda ambiciosa para a criação de emprego. É aí que entramos no combate ao desemprego.
Em Cascais, registamos no final de abril mais 908 desempregados do que no final do mês anterior. Um crescimento de 15% no número absoluto de pessoas sem emprego. É a maior subida alguma vez registada no nosso território.
Por isso montámos um programa de apoio ao emprego que passa por quatro eixos. Primeiro, apoiar iniciativas individuais. Imagine, por exemplo, que o Senhor A sempre teve talento para a fotografia. Caiu na armadilha do desemprego mas não tem dinheiro para arrancar com o seu microprojeto de reportagem fotográfica. É aí que entramos: o município apoia na compra da máquina, por exemplo, e o cidadão devolve o apoio público em horas de trabalho. Assim garantimos que cada cidadão tem direito à esperança e a concretização dos seus projetos num tempo de maior dificuldade. O segundo eixo passa pelo reforço da ligação das organizações locais, identificando as situações de fragilidade de forma mais rápida e eficiente, ao mesmo tempo que se criam sinergias para o empreendedorismo social. O terceiro eixo estimula as entidades empregadoras, lançando incentivos à contratação e criando uma atmosfera fiscal mais atrativa. Por fim, o quarto e último eixo liga-se à produção e democratização do conhecimento. Esta crise teve o mérito de provar que o ensino à distância resulta. Que é mais barato, mais democrático e mais acessível. Com algumas faculdades de referência no nosso território, apostaremos na criação de conteúdos que promovam a reciclagem de competências e de conhecimentos, bem como a aprendizagem ao longo da vida.
Os homens e mulheres do nosso tempo já entraram na história por terem vivido este momento particular da humanidade. Mas a forma como essa história nos olhará depende, sobretudo, da forma como formos capazes de nos erguermos depois da pandemia.
Mãos à obra. Em todos os níveis – local, nacional, regional e global – cada um de nós tem uma tarefa. Cada um de nós tem uma missão. A de provar que não há ameaça que vergue a esperança, nem vírus que mate o engenho.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira