José Manuel Fernandes. “Despedir pessoas é sempre muito complicado”

José Manuel Fernandes. “Despedir pessoas é sempre muito complicado”


Aos 63 anos, com 44 de jornalista, é uma das vozes mais temidas pela esquerda portuguesa. Fala sem travões sobre quase todos os assuntos.


É dos jornalistas mais polémicos devido à sua frontalidade. Já foi o ódio de estimação de José Sócrates, mas hoje tem uma enorme fila de políticos que dizem dele o que Maomé não dizia do toucinho. O_mais velho de cinco filhos, hoje posiciona-se à direita, mas já lhe chamaram ‘maoista de calções’. Numa entrevista de duas horas falou-se de muitos assuntos – alguns ficaram para outra ocasião.

É verdade que começou a dar nas vistas logo no liceu Pedro Nunes?

Acabei o Pedro Nunes em 1974, mas em 1972 fiz parte do Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa (MAEESL), a seguir à morte do Ribeiro Santos.

Com Nuno Crato.

O Nuno Crato também era do Pedro Nunes, mas é cinco anos mais velho que eu. Não o conheci nessa altura, só venho a conhecê-lo uns anos mais tarde. Éramos todos muito miúdos e começámos a entrar numa contestação ao regime e digamos que esse ativismo, que é um ativismo basicamente estudantil, vai crescendo durante o ano de 73. O momento mais marcante, pelo menos para mim e para mais 160 pessoas aproximadamente, foi o dia 16 de dezembro de 1973. Nós, estudantes do ensino secundário, estávamos a fazer uma reunião, na faculdade de Medicina, no Hospital de Santa Maria, e de repente a reunião foi cercada pela polícia. Fomos todos detidos. Uma das pessoas detidas foi o Miguel Portas, que também estava nessa reunião. Aos rapazes, raparam-nos o cabelo, as raparigas ficaram lá durante a noite. Alguns ainda foram parar a Caxias uns dias. Tivemos depois processos disciplinares nas escolas mas foi um dos momentos mais emocionantes antes do 25 de Abril. Depois veio o 25 de Abril. Nessa altura eu tinha acabado de fazer 17 anos, era menor. A seguir foram os anos da Revolução.

Qual era o sentimento nessa altura, olhando para trás?

Olhando para trás há uma altura em que se percebe que o regime está no fim. As pessoas tinham a perceção de que havia muita pobreza, muita injustiça, muita desigualdade, muita falta de liberdade. Nós tínhamos tido ali alguma liberdade a seguir a 69, tínhamos visto uns filmes excitantes, mas depois voltou tudo a ser como antes e os filmes voltaram a ser censurados.

Quando diz excitantes, tem algum na memória?

Sim, há um famoso que toda a gente se lembra que é A Piscina, com Alain Delon e Romy Schneider, em que apareciam pela primeira vez umas maminhas. Era completamente fora de tudo. Mas depois começou de novo a haver pressão e há aquela coisa que para nós era uma parede. Essa parede era a noção de que quem não ia para a universidade, aos 18 anos, pouco tempo depois tinha de ir para a Guerra Colonial. E a Guerra Colonial não era um serviço militar de seis meses ou de dois anos, eram três, quatro anos… Cortava a vida às pessoas. Nessa idade temos uma sensação natural de que somos idealistas. Tudo isto se passa poucos anos depois do maio de 68.

Nessa fase, você e o Nuno Crato eram conhecidos como os maoistas de calções?

Isso foi uma coisa de que se falou mais tarde. Nessa altura tudo era levado demasiado a sério para se falar de ‘maoismo de calções’. De facto, havia muitos grupos de maoistas, o maoismo era parecido com o trotskismo, pulverizava-se em imensas tendências. Alguns só tinham implementação em movimentos estudantis, outros tinham alguma implantação fora dos liceus e das universidade, uns eram muito centrados nalgumas regiões do país, outros tinham uma rede mais nacional, alguns só existiam na emigração. Havia coisas muito diferentes, nenhum deles tinha uma organização de perto ou de longe parecida com a que tinha o Partido Comunista. Nessa altura também havia vários grupos trotskistas, aliás como apareceram a seguir ao 25 de Abril, julgo que se chegaram a legalizar dois partidos, que depois se juntaram no PSR. Esses movimentos eram muito dogmáticos, muito ortodoxos.

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