Como vê a reabertura das creches e as regras agora apresentadas pela DGS?
Temos aqui um bom exemplo do que são conflitos de interesses: os da economia e situação laboral dos pais, que exige uma rápida abertura dos atendimentos diurnos; os dos próprios pais, que, muitos, já têm a cabeça em água, sobretudo porque estão a trabalhar, mesmo que em teletrabalho; finalmente, os das crianças deste grupo etário (a partir dos dois anos e meio), que precisam do contacto com os colegas para brincarem, jogarem, aprenderem e cimentarem regras de socialização, não apenas vindas dos adultos, mas também dos seus pares. O último grupo de interesses diz respeito à questão sanitária, dado que, é sabido, as crianças são dos maiores transmissores das doenças virais, mesmo que não sejam as que ostentem sintomas ou casos de maior gravidade. Assim, entende-se que é difícil conseguir responder a coisas tão diversas e que passam pela parte logística, quase tão complicada como a regulamentação das idas à praia.
Tem recebido muitas mensagens dos pais? Quais são as maiores preocupações?
Muitas. As dúvidas resumem-se ao mesmo “guião”: devo deixar o meu filho na creche? Pois, para lá do risco real e da situação conjuntural da criança na sua família (cada família será diferente, designadamente se pensarmos em famílias alargadas e nos diversos contextos do quotidiano, vizinhança, etc.), há o feeling dos pais e a noção de gestão do risco (como para tudo, como é exemplo o trânsito) e dos receios vários, uns reais, outros mediatizados e amplificados (ou por vezes banalizados) pelas redes sociais e por alguns órgãos de comunicação social ou colunistas.
Pelos dados que temos, as crianças parecem ser um grupo menos suscetível a esta infeção e os casos têm sido maioritariamente ligeiros, mas noutros países, como Itália e EUA, houve um aumento de casos com características de síndrome de Kawasaki. Como é que as famílias podem avaliar o risco para tomar decisões informadas?
A covid na criança está ainda em análise. Por muito que precisássemos de respostas “para ontem”, a ciência não pode acelerar o que, por si, é feito de forma porventura lenta se considerarmos a urgência da resposta. Sabemos que há muitos casos assintomáticos: há quem fale em duas vezes mais, há quem chegue a seis vezes mais, mas só estudos serológicos em grupos populacionais com critérios epidemiológicos bem definidos podem dar resposta. Sabemos que, nas crianças, estas doenças virais (como a gripe) tendem a ser muito mais suaves e que, embora possa haver casos graves, eles são raros. Todavia, pela natureza do relacionamento social (qual distanciamento…) podem transmitir facilmente a infeção entre elas, passando depois para os pais, que, como são adultos jovens, até podem não ter sintomas muito intensos, mas que irão levar o vírus para os empregos e para casa de familiares mais velhos – e, aí, a mancha alastra. Apareceram vários casos com os mesmos sintomas da síndrome de Kawasaki, uma situação descrita por um médico com esse nome, há algumas décadas, no Japão, e que, como o nome indica, é uma síndrome, ou seja um conjunto de sintomas, e não uma doença definida. Ainda não se sabe a causa da síndrome de Kawasaki, e até é provável que sejam múltiplas causas. A infeção por coronavírus-SARS-2 parece estar a produzir alguns casos em crianças, mas o número ainda é escasso para podermos extrair conclusões sem precipitações.
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