Não me escondo atrás de máscaras


Dou a cara pelos meus cidadãos, por Cascais e por toda a sua resposta à crise. Dei a cara pela AML. Não dou, nem darei nunca, nem a cara nem a máscara pelos interesses económicos instalados.


Portugal experimenta, há três meses, a pior pandemia de que alguém tem memória. O desconfinamento está a chegar. E com ele, regressados das suas quarentenas confortáveis, abutres sobrevoam a paisagem nacional à espera de ficar com os despojos mediáticos e políticos da crise.

Um grupo de cinco deputados do Partido Socialista à Assembleia da República – Miguel Matos, Ricardo Leão, Edite Estrela, Romualda Fernandes e Fernando Anastácio –, a coberto de um expediente parlamentar, fizeram o obséquio de tornar público que tinham dirigido um “requerimento”, que ainda não recebi, mas cuja existência me foi dada a conhecer por uns pasquins digitais, onde se coloca uma série de dúvidas sobre o processo de aquisição de material de proteção individual por ajuste direto, feito pela Câmara de Cascais a uma empresa – que, de resto, já foi objeto de amplo escrutínio no espaço público. Processo em que a Câmara cumpriu todos os dispositivos legais e que será, naturalmente, avaliado pelo Tribunal de Contas.

Sentir-me-ia lisonjeado por tão súbito interesse de uma mão-cheia de deputados socialistas em Cascais não fosse dar-se o caso de o requerimento ter sido passado à comunicação social, com elevadas doses de insinuação, antes mesmo de ter chegado ao destino.

A narrativa utilizada e o modus operandi insidioso são reveladores de graves vícios políticos e da falta de caráter de quem os pratica.

Em primeiro lugar, a incompetência. Os senhores deputados têm o dever de conhecer o regime de exceção previsto pelo decreto-lei 10-A/2020. Ou será que não estudaram, na sua plena extensão, os atos legislativos que, em primeira mão, têm o dever de fiscalizar no âmbito das suas funções representativas?

Em segundo lugar, a incoerência. Os senhores deputados suspeitam dos processos de ajuste direto em Cascais, na ordem dos 3 milhões de euros, quando o Governo do seu partido usou de um procedimento semelhante para pagar múltiplos de três milhões de euros por equipamentos de proteção individual que ainda nem chegaram ao país. Espero pelo dia em que os média reportem a ação de um expedito grupo de deputados socialistas que exija ao Governo de António Costa explicações sobre os seus ajustes diretos. Afinal de contas, é para fiscalizar o Governo que estes senhores são eleitos.

Em terceiro lugar, a inconsistência. Todos eleitos pelo círculo de Lisboa, deveriam estes senhores deputados saber que a fatia de leão dos 14 contratos por ajuste direto, avaliados em mais de 10 milhões de euros – e que tantas dúvidas lhes parecem sugerir – teve como destino a totalidade das câmaras municipais da Área Metropolitana de Lisboa (AML). Câmaras do PS, do PSD e do PCP, cujos eleitores estes deputados supostamente representam. Percebe-se assim que não fazem ideia de como os seus constituintes se protegeram da crise. Mas eu explico: foi também através de Cascais, e das encomendas que atempadamente colocámos no mercado, que os cidadãos e profissionais de saúde, de lares de idosos e de forças de proteção civil da AML tiveram equipamentos de proteção individual contra o maldito vírus a tempo e horas.

Em quarto lugar, o tribalismo. Com o objetivo de lançar suspeitas sobre a Câmara de Cascais, boa parte da narrativa expositiva dos deputados socialistas é apoiada num artigo da revista Visão assinado por José Reis Santos. Historiador, articulista e sócio de uma empresa de brindes na Hungria, José Reis Santos garante no seu artigo (que respalda as dúvidas socialistas) ter apresentado à Câmara de Cascais uma proposta mais vantajosa para a aquisição de EPI’s – oferta que a autarquia teria ignorado para favorecer uma outra empresa. Cascais nunca recebeu tal proposta. E eu nunca tinha ouvido falar do sr. Reis Santos. Ao contrário dos deputados do PS, que certamente conhecem Reis Santos dos tempos em que ele era “ativista socialista europeu” e apoiante de José Sócrates, estando envolvido na sua reeleição como primeiro-ministro em 2009. Que ironia política suprema: na ânsia de acusar a câmara de favorecimento, deputados do PS socorrem-se das dores de um desfavorecido socialista a quem, certamente, os poderes públicos tinham o dever de ter provido um ajuste direto. Isto é a o grau zero da credibilidade política.

Esperando ter esclarecido os senhores deputados, aos quais terei a cortesia de dar esclarecimento por via oficial quando receber o requerimento, desde já informando que não serei meigo, gostaria antes disso de deixar muito claro o seguinte.

É muito fácil jogar ao totobola à segunda-feira. E agora, que as coisas não correram mal, há por aí muito oportunista com vontade de pôr tudo em causa sem nada ter feito.

Em Cascais não regateámos um euro para proteger uma vida. Em todos os contratos que fizemos, porém, conseguimos garantir sempre quatro requisitos: (1) preço mais baixo possível perante (2) a qualidade do produto e (3) a rapidez do canal logístico, olhando (4) à fiabilidade das empresas parceiras.

Conseguimos, antes de qualquer outra câmara, antes do Governo do país, ter máscaras e termómetros e fatos e luvas e ventiladores. O primeiro avião que aterrou em Portugal vindo da China trazia toda a sua carga com um destino: Cascais.

Os que agora questionam para fazer pífias provas de vida esquecem o essencial. Pagámos a urgência a duas semanas; outros pagam-na a mais de 200 dias. Recebemos a carga a tempo e horas para salvar pessoas; outros não sabem se vão recebê-la, nem quando, nem como, nem para quem.

Cascais já vendia máscaras a 70 cêntimos, e a imprensa noticiava que tinham sido encomendados pela DGS 30 milhões de euros de máscaras a um único fornecedor e que todo o processo emanava “legalidade.”

Dou a cara pelos meus cidadãos. Dou a cara por Cascais e por toda a sua resposta à crise. Dei a cara pela AML numa situação que exigia de todos solidariedade e patriotismo. Não dou, nem darei nunca, nem a cara nem a máscara pelos interesses económicos instalados.

São esses mesmos interesses que hoje, depois de terem perdido os seus ganhos usurários nas vendas de máscaras e álcool com que massacravam os mais pobres, continuam a tentar envenenar a opinião pública contra quem encontrou canais alternativos para proteger os cidadãos.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira