O país entrou esta segunda-feira na terceira fase de resposta à epidemia, com o início do desconfinamento. Os dados do fim de semana mostram um abrandamento no número de casos confirmados, mas o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales indicou no briefing de ontem que são ainda esperados dados de laboratórios referentes a diagnósticos feitos nos últimos dias.
“No sábado, foram feitos 10.400 testes, e faltam apurar três laboratórios, no domingo 5.500, mas faltam apurar 12 laboratórios. No feriado [sexta-feira, 1 de maio], fizemos 12.500 testes e faltam apurar dois laboratórios”, admitiu o secretário de Estado da Saúde. O apuramento poderá levar a um ajuste nos números revelados nos últimos dias, bem como do chamado R0, que no final da semana passada se situava ligeiramente abaixo de 1 (0,92). O país iniciou assim a fase de desconfinamento com um total de 25 524 casos confirmados e um balanço de 1063 mortes. O número de doentes internados caiu pelo 18.º dia consecutivo e este domingo havia 813 doentes hospitalizados, depois de um pico de 1300 doentes internados no dia 6 de abril. Também o número de doentes em cuidados intensivos, 143 este domingo, é agora quase metade do que se verificou no momento de maior pressão nos hospitais, quando chegaram a estar internados em unidades de cuidados intensivos 271 doentes infetados com o novo coronavírus.
Num primeiro balanço do dia de ontem – com a abertura de comércio local e serviços como cabeleireiros e gabinetes de manicure – a PSP e a GNR revelaram ter impedido 780 pessoas de entrar em transportes públicos por não estarem a usar máscara e em três casos foram levantados autos a pessoas que recusaram cumprir a regra, revelou o porta-voz da PSP à Lusa.
Alerta para os “danos invisíveis” Numa altura em que o SNS vai também retomar resposta a doentes de outras áreas e prioritários, a edição de maio da revista Acta Médica Portuguesa – publicada ontem – traz um editorial de três médicos que chama a atenção para o lado mais escondido. No artigo, que já havia sido pré-publicado online, Renato Bessa de Melo, Nuno Teixeira Tavares e Raquel Duarte, chamam a atenção para os danos invisíveis da epidemia, começando pelo possível impacto da redução das idas às urgências nas últimas semanas. “Se pensarmos na situação anterior da procura excessiva dos cuidados de saúde sem motivo, essa redução até poderia ser considerada como positiva. Mas quantos tinham indicação para recorrer ao serviço de urgência e não o fizeram? De repente o número de acidentes vasculares cerebrais, eventos coronários, patologia tumoral com apresentação súbita, e até apendicites agudas caiu drasticamente… Será que todas estas patologias diminuíram a ponto de quase desaparecerem? Assim de repente? Alguém acredita?”, lê-se.
Os autores consideram que o aumento da mortalidade por outras causas, que salientam não ser exclusiva de Portugal, suporta a ideia de que em alguns casos se pode ter falhado na resposta a necessidades urgentes não relacionadas com a covid-19.
Riscos para doentes oncológicos e com tuberculose Estes especialistas alertam também para o efeito que pode haver junto de populações mais vulneráveis e outros programas de saúde. Os autores chamam ainda a atenção para os doentes oncológicos, quer pela maior vulnerabilidade à infeção quer pelo impacto de maior demora no início de tratamentos.
“Outro grupo que poderá criar problemas a médio/longo prazo são as populações vulneráveis como por exemplo os doentes com tuberculose. A suspeita e deteção de novos casos diminuiu, o tratamento deixou de ser efetuado em regime de toma observada diretamente (e sabemos que a má adesão ao tratamento é fator de risco desenvolvimento de formas resistentes aos antibacilares), e o rastreio das populações de risco abrandou”, alertam. Os autores consideram que não se deve reduzir a resposta à pandemia, “pois isso teria efeitos devastadores em termos de vidas e capacidade de resposta dos serviços de saúde”, mas defendem que é a preciso preparar resposta para três situações: “Os casos urgentes que não tiveram a resposta adequada e atempada, os doentes crónicos que deixaram de ser controlados e, por fim, a terceira onda do impacto na saúde mental da população isolada, do burnout dos trabalhadores e do efeito global na saúde do efeito económico desta pandemia.” E concluem: “Temos de cerrar fileiras no combate à pandemia mantendo-nos alerta aos efeitos colaterais e estando preparados para os resolver. Caso contrário, a vitória sobre a pandemia pode tornar-se numa Vitória de Pirro.”