O vale do Côa continua a ser “terreno fértil”. Há um par de dias, a Fundação Côa Parque anunciou que os arqueólogos tinham descoberto uma enorme figura rupestre que será a maior do género encontrada ao ar livre no mundo. A figura impressiona: trata-se de um auroque, um boi selvagem, que mede cerca de 3,5 metros e meio e que foi descoberto na rocha 9 do sítio do Fariseu, um dos núcleos mais promissores do parque. Dentro da figura, gravada na pedra, encontrou-se uma série de conjuntos de representações mais pequenas, sobrepostas, nas quais foram identificados outros animais. Uma cabra e uma fêmea de auroque com a sua cria e ainda uma fêmea de veado contam-se entre as figuras gravadas pelos métodos de picotagem e abrasão.
A descoberta de uma figura de tais dimensões – o painel completo mede mais de seis metros de comprimento – só encontra rival nos famosos auroques da gruta de Lascaux, defende Thierry Aubry, o arqueólogo responsável pela escavação e o coordenador científico do Museu do Côa e do Parque Arqueológico do Vale do Côa. “Trabalhámos nesta localização durante três semanas”, diz ao i, notando que foi este o tempo necessário para trazer a gravura à luz e revelando que a descoberta foi feita imediatamente antes de ter sido declarado o estado de emergência devido à pandemia. Os trabalhos foram, por essa razão, interrompidos a 17 de março, e o parque também se encontra encerrado.
Primeiro, os arqueólogos descobriram o traço que viria a revelar-se a garupa do animal e, à medida que foram escavando os sedimentos, perceberam a dimensão do achado. As figuras rupestres agora descobertas terão cerca de 23 mil anos, enquadram-se nas primeiras fases do Paleolítico Superior e parecem, portanto, juntar-se ao grupo de figuras da fase mais antiga encontrada em Côa.
O sítio do Fariseu O grande auroque descoberto na rocha 9 é notável, e as descobertas anteriores feitas no sítio do Fariseu – a rocha 1, que contém dos painéis mais importantes do Côa, com mais de 80 motivos gravados, foi identificada em 1999 – são importantes na hora de enquadrar estas gravuras. Por exemplo, o auroque foi descoberto debaixo de algumas camadas arqueológicas, o que permitiu aos arqueólogos datá-lo, comparando-o com os registos das figuras encontradas nas outras rochas deste local.
O facto de o sítio do Fariseu, um dos principais núcleos de arte rupestre do Parque Arqueológico do Vale do Côa, continuar a ser palco de achados notáveis não surpreende Thierry Aubry. “Isto revela que a maioria da arte rupestre e da informação arqueológica será descoberta em futuros trabalhos”, defende.
Um caminho a percorrer Para já, o surto que pôs o mundo a meio gás travou também o maior aprofundamento dos resultados desta escavação, que será retomada assim que possível, tendo em conta o desenvolvimento da situação epidemiológica. Mas mesmo numa altura dominada pelo surto, os ecos preliminares da descoberta já começam a fazer-se ouvir, tendo chegado à revista da especialidade Archéologia, que no número de maio dedica duas páginas a esta gravura rupestre “de traço fundo”, gravada na superfície vertical e que, dizem, “relançará o debate”, visto que “no imaginário coletivo, a arte do Paleolítico é associada ao mundo subterrâneo”. Estas gravuras rupestres agora descobertas vêm, mais uma vez, contrariar essa perceção.
A nova vida do grande auroque está apenas a começar, mas é certo que este já é mais um tesouro a juntar ao Vale do Côa, que assim se consolida como o maior conjunto mundial de arte paleolítica ao ar livre. Um museu que tem o céu como teto e o rio como parede e que conta já “com mais de mil rochas com manifestações rupestres, identificadas em mais de 80 sítios distintos, sendo predominantes as gravuras paleolíticas, executadas há cerca de 25 mil” anos, lê-se na apresentação do site oficial do parque.
Nesta galeria em constante crescimento, não é só o sítio do Fariseu que pode trazer surpresas. “Há muitas gravuras e conjuntos artísticos dos períodos do Paleolítico Médio Superior que têm de ser descobertas”, considera Aubry.
Também a Fundação Côa Parque sublinha a importância da continuação dos trabalhos de escavação iniciados há 25 anos, considerando que a descoberta do grande auroque reafirma, num comunicado citado pela Renascença, a “importância da continuação dos estudos arqueológicos no vale do Côa, demonstrando uma vez mais que grande parte da sua riqueza patrimonial se encontra no subsolo, onde se deverão ir buscar as respostas para as perguntas que subsistem sobre porquê e quando foi feita a arte paleolítica do Vale do Côa”.