Depois de semanas de ondas de críticas sobre a gestão de Donald Trump – mesmo entre os governadores estaduais republicanos dos Estados Unidos – ao combate ao coronavírus, o Presidente dos EUA vira as atenções ao apontar o dedo à Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esta quarta-feira, Trump anunciou que vai ordenar a suspensão temporária dos fundos – de teor voluntário – que os Estados Unidos entregam àquela organização das Nações Unidas, em plena crise pandémica que já matou milhares em todo o mundo e praticamente pôs a economia de volta à estaca zero. A importância ou gravidade da medida anunciada tem amplo significado, dado que os EUA são o maior doador da OMS.
Afirmando que a OMS realizou muitos erros importantes e devastadores no combate ao novo coronavírus, Trump disse que, durante os 60 a 90 dias de suspensão dos pagamentos, a sua Administração vai proceder a uma avaliação para apurar se a OMS foi “severamente responsável pela má administração e por encobrir” a propagação do vírus. “Muita morte foi causada pelos erros deles”, disse Trump no briefing da Casa Branca. No entanto, não ficou claro como serão cortados esses fundos à organização internacional, ou se Trump está apenas a estabelecer condições para retomar os pagamentos.
Com efeito, segundo o New York Times, o ocupante da Casa Branca acusou a instituição responsável pela saúde mundial (e pela resposta à pandemia a nível global) de fazer todos os erros que o próprio fez quando o vírus surgiu na China e que depois se alastrou à velocidade da luz para o resto do mundo.
Até esta quarta-feira, praticamente 2 milhões de pessoas foram infetadas em todo o globo e há quase 130 mil vítimas mortais da covid-19, segundo a Universidade John Hopkins. Os EUA têm 610 mil casos confirmados e 26 mil mortes, estando no topo de ambos os rankings, diz a mesma instituição.
Este ‘atirar de culpas’ era expectável (nos últimos dias tinha gradualmente apontado o dedo à OMS), depois de Trump ter constantemente desvalorizado o coronavírus como um perigo para a saúde pública, qualificando-a como uma mera gripe e abstendo-se de impor as medidas de saúde pública necessárias que podiam ter travado o contágio — a OMS declarou o coronavírus como uma emergência de saúde pública no dia 30 de janeiro, mas Trump continuou a realizar comícios e a jogar golfe.
Outro foco de acusação da Administração Trump tem sido a forma como a OMS tem lidado com a China. Ou seja, para os EUA, a OMS tomou muito rapidamente as informações do Governo chinês como válidas, numa altura em que devia ter sido mais crítica.”A [OMS] recebeu” de bom grado “as garantias da China” sem as monitorizar, culpou. Outra base de ressentimento do chefe da Casa Branca tem que ver com a oposição da OMS à limitação de viagens entre os EUA e a China, na altura em que foi imposta.
Não tendo confiança nas informações da OMS, Trump disse que ia tentar trabalhar em conjunto com outros países.
Segundo o Washington Post, Trump está a tentar montar um caso, pondo o ónus da responsabilidade na OMS. Caso tenha sido efetuada uma avaliação precisa do risco que o coronavírus representava e o tamanho do seu alastramento, tinha havido tempo para o Governo norte-americano impor as medidas de distanciamento social necessárias e outras medidas de prevenção – além de ter tido o espaço necessário para procurar o número de teste necessários, máscaras, respiradores e outro equipamento que agora escasseia.
“O surto poderia ter sido contido na sua origem com muitas poucas mortes, muitas poucas mortes, e certamente muito menos mortes em comparação. Isto teria salvado milhares de vida e evitar os danos à economia mundial”, argumentou Trump na terça-feira. Embora Trump, antes da pandemia se ter deslocado em força para os EUA, tenha repetido elogios à forma como a China estava a gerir a pandemia.
E quando, em meados de março, foi questionado por jornalistas se ele era responsável pela falta de capacidade de testagem no país, o ocupante da Casa Branca respondeu: “Não tomo qualquer responsabilidade”.
Depois de Trump ter falado, António Guterres, secretário-Geral das Nações Unidas, em comunicado, defendeu a OMS mas sem criticar diretamente o seu maior doador. “Não é o tempo para reduzir os recursos para as operações da OMS ou de qualquer outra organização humanitária na luta contra o vírus”, defendeu.
E sugeriu que parte das dificuldades em criar uma resposta comum ao coronavírus pode ter tido a ver com a possibilidade de que “os mesmo fatos possam ter tido leituras diferentes pelas diferentes entidades”.
O secretário.geral da ONU continuou a insistir que, no meio de uma pandemia, não é o tempo para resolver outras querelas ou diferendos.