Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré


Nos cenários de grande crise, o que se impõe a quem está na cena política, seja a governar ou na oposição, é capacidade para contribuir ativamente para hipotéticas soluções que visem minorar os danos que, da mesma, diária e futuramente possam emanar. Tal só é desde logo possível mantendo o criticismo ativo e comprometimento com…


Daqui resulta, portanto, que esta capacidade tem de ser cabalmente exercida num esforço comum capaz de demonstrar que, pesem embora todas as diferenças que existam entre os vários partidos com representação parlamentar, todos têm, ainda assim, disponibilidade para, quanto mais não seja, proporem e discutirem as propostas que surjam e/ou a insuficiência das existentes.

Ora, entre a semana passada e esta, o PSD demitiu-se claramente daquele que considera ser o seu principal papel, o de maior partido da oposição, furtando-se a esta mesma circunstância. Primeiro, perante o surgimento de mais de 100 propostas para serem discutidas em plenário, os sociais-democratas pediram o reagendamento dessa discussão com o argumento de que era demasiada matéria e precisavam de tempo para se organizar. Satisfeita essa pretensão, a discussão das propostas passou então para a semana seguinte, e eis que o PSD decide pura e simplesmente votar contra todas as propostas apresentadas, independentemente dos partidos proponentes, o que manifestamente é, apenas e só, inenarrável.

Mais uma vez repetiram em sua defesa o argumento da falta de tempo, escudando-se ainda na massificação legislativa. Que diabo, vamos lá a ver se nos entendemos. Mas, afinal de contas, os deputados do PSD não têm tempo porquê? Logo agora, que raro é o dia em que algum deles é visto nos corredores de São Bento? E mais: mesmo perante mais de 100 propostas que tinham sido apresentadas, o PSD tem neste momento 79 deputados. Nem que fosse dividindo 100 propostas por 79 cabeças, daqui resultaria a leitura de pouco mais de uma proposta por deputado, mais coisa menos coisa. Que raio!

Os deputados do PSD não têm tempo para ler, cada um, pouco mais que uma proposta? Então têm tempo para quê, afinal? Que estão lá a fazer? Apenas a mamar da teta da vaca, que é como quem diz, apenas e só para ganhar o seu ordenado? Quando eu achei que a bizarria não poderia ser pior, eis que surgem na imprensa notícias de que Rui Rio tinha endereçado uma comunicação aos militantes do PSD, afirmando que neste momento não seria patriótico criticar a governação e o Partido Socialista. Portanto, Rui Rio nada quer discutir, nada quer deixar discutir, nada quer aprovar e, agora, nem sequer quer deixar os seus militantes discordarem do Governo. Perante esta circunstância, aquilo que pergunto é: se o PSD não serve para nenhuma destas coisas, para que serve afinal? Para fazer número? Para ser o idiota útil do Partido Socialista? Ou isto nada tem que ver com o PSD como instituição e, com todo o respeito, é apenas Rui Rio que pretende ser uma espécie de idiota útil de António Costa? É que política não é espaço para anjinhos.

Se Rui Rio quer andar feito anjinho, então que vá pregar para uma qualquer igreja. Claro que esta circunstância tem na sua sombra outra realidade. Rui Rio está já a piscar o olho a um Governo de bloco central. Sobretudo agora que o verniz entre Costa e Marcelo estalou e tendo já o primeiro-ministro lançado indiretas sobre as esquerdas radicais, dando a entender que espera o seu apoio para as medidas que vai ter de tomar nos próximos meses. O que aqui é realmente confrangedor é a vexatória subserviência que Rui Rio demonstra ter face a Costa e, pior, a subserviência em que coloca o PSD face ao PS. É bom que se note que me estou marimbando para tal circunstância. O PSD há muito que se tornou assim uma espécie de coisa e daqui para diante vai ser sempre a descer. Mas pelo menos que o seu líder saiba manter-lhe intacta a dignidade institucional. Quanto a Rio, há um célebre e antigo adágio que lhe assenta que nem uma luva: “Quem nasceu para lagartixa, nunca chega a jacaré”.