E quando pudermos voltar às nossas vidas?


Espero que mude a nossa noção do tempo perante a sociedade. Em particular, perante os mais idosos. Que esta crise sirva para redescobrirmos a importância da família e do tempo, e do tempo da família


Lentamente, com grandes sacrifícios, estamos a vencer a batalha das nossas vidas. Nunca é demais dizê-lo que o devemos, em grande parte, ao nosso Serviço Nacional de Saúde e aos seus valorosos e heroicos profissionais. Menção também devida aos profissionais do setor social (muito em particular aos das IPSS) e aos voluntários.

Há quem nos diga que o país e o mundo não voltam a ser os mesmos depois da pandemia. Pelo menos numa coisa, espero mesmo que não volte a ser igual: o subfinanciamento do nosso SNS e as cativações sobre o setor da saúde não mais podem ser toleradas como prática comum dos governos. O amplo consenso na sociedade portuguesa sobre a centralidade do SNS na manutenção da paz social, prosperidade e perenidade da Nação, aumentará o escrutínio e dificultará os truques orçamentais de agora em diante.

Outra coisa que eu espero que mude é a forma como olhamos para a desigualdade. Esta crise é nova para todos nós. E é nova também na importância que atribuiu às pessoas que, tradicionalmente, a sociedade remunera de forma mais pobre. Esta é a crise em que a linha da frente no combate ao Covid-19 é a linha de trás nos rendimentos. Quem está a combater esta crise não são as elites académicas, militares ou intelectuais, nem os quadros de topo da burocracia do Estado, nem tão pouco os gestores de fundos ou deuses das agências de rating. Esta é a crise em que os heróis são os homens e as mulheres comuns: os profissionais de saúde, das forças de segurança e da proteção civil, mas também os trabalhadores dos supermercado, os padeiros e pasteleiros, os cantoneiros, os motoristas e os camionistas. Precisamos de um novo consenso sobre a promoção da igualdade nas nossas sociedades.

Espero que mude a nossa noção do tempo perante a sociedade. Em particular, perante os mais idosos. Neste mês e meio de isolamento, quantos avós nunca mais viram os seus netos e quantos nem sequer chegaram ainda a conhecê-los? Quantas palavras ficaram por dizer? E quantas vidas para celebrar? O nosso quotidiano transformou-se numa corrida desenfreada. Pressionados pelos nossos afazeres, por vezes deixamos de cuidar daqueles que mais precisam de nós. Que esta crise sirva para redescobrirmos a importância da família e do tempo, e do tempo da família. Se o fizermos, sairemos mais reforçados para o futuro.

Por último, espero que mudem os nossos hábitos de higiene e convívio social. Passaremos a lavar mais as mãos, por certo, com isso evitando a covid-19 e outras doenças comuns. E, admito, as nossas ruas terão maiores semelhanças com as imagens que recebemos dos países asiáticos, em que toda a gente usa máscara. Esse vai ser o novo normal: todos usaremos máscara em espaço público nos tempos mais próximos. Nas sociedades orientais, usar máscara é um sinal de respeito. Pelos outros. E por nós. Terá se ser assim também por cá, pelo menos enquanto não tivermos uma vacina para o coronavírus.

Gostaria de me debruçar sobre esse tema porque é algo com que as autarquias se estão a debater. Como já sugeri anteriormente, estamos a entrar numa nova fase que implica olhar em frente, olhar para a normalidade entre períodos de pandemia. Essa normalidade marcará a reconciliação das pessoas com a rua. Quando esse tempo chegar – e suspeito que seja já em Maio – todas as pessoas, repito, todas as pessoas, vão ter de usar máscaras. Para que todas as pessoas usem máscara é preciso que as possam encontrar a preços acessíveis. É o que Cascais e outras autarquias vão proporcionar a todos. A partir de amanhã, quinta-feira, inundaremos o mercado local com 850 mil máscaras a um preço de 0.70€ por unidade, o que compara com preços na ordem de 1.50€, 2€ ou mesmo mais nos estabelecimentos habituais. Programa “Máscaras Acessíveis” é o nome que demos a esta política de Cascais que envolve doar 850 mil máscaras a 17 IPSS do concelho que, depois, as podem vender a 0.70€ por unidade.

Acreditamos que esta iniciativa cumpre 3 propósitos. Em primeiro lugar apoia as IPSS e aproxima as pessoas das instituições da sua comunidade que estão mais envolvidas no combate à covid-19, garantindo a dignidade na dificuldade. Em segundo lugar, uma entidade pública envia um poderoso sinal ao mercado: o lucro é legítimo e desejável, mas há limites morais e éticos para a especulação. Em terceiro lugar, garantimos que haja distribuição maciça de máscaras pela população.

Este é só o primeiro passo de uma política mais abrangente e democrática. A este lote de 850 mil máscaras que vão ser distribuídas pela comunidade juntam-se um stock superior a um milhão que vão ter o mesmo destino: servir as pessoas.

E porque neste novo normal teremos de garantir autossuficiência em matéria de equipamentos de proteção individual, vamos apostar em mais dois vetores de atuação: investir no conhecimento local e na capacidade de “faça você mesmo”, para que cada cidadão saiba como pode preparar-se; o segundo eixo, estudando formas de passarmos a ter produção própria. Esta capacidade pressionará o preço em baixa, ao mesmo tempo que garante maior abrangência a toda a população.

Precisamos que, no tempo certo, os cidadãos voltem ao espaço público para que regresse a normalidade. Para isso, precisamos de máscaras. Mas não precisamos de máscaras a qualquer preço. Precisamos delas a preços acessíveis. É nisso que estamos a trabalhar. Para que o amanhã, mesmo que diferente, mesmo com mudanças, mantenha os traços essenciais da comunidade com que nos identificamos.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira