O número de novos casos confirmados de covid-19 diminuiu esta terça-feira mas os sinais de abrandamento da epidemia, e que podem refletir já as medidas implementadas no país nas últimas semanas, estão a ser para já encarados com cautela. Os médicos têm denunciado nas últimas semanas que alguns casos suspeitos têm ficado por testar e constrangimentos na linha de apoio ao médico, que até esta semana manteve como ponto de triagem de quem devia ou não ser testado. Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, disse ao i que existe alguma preocupação, sendo que a confirmar-se a trajetória será positivo. Dirigindo-se ao país depois de uma reunião com peritos, o Presidente da República disse que não é possível fazer previsões certas, mas transmitiu a ideia de que a curva parece mais moderada e que o pico pode surgir depois da última data apontada pelo Governo, 14 de abril.
Os boletins diários da Direção Geral da Saúde revelam um número crescente de testes a aguardar resultados de um dia para o outro, o que poderá refletir-se no balanço dos próximos dias. No boletim divulgado ontem, referente ao balanço feito à meia-noite de segunda-feira, havia 1783 testes a aguardar resultados, mais 27% do que no dia anterior. O i sabe que na região Norte, a primeira a abrir um local de rastreio na comunidade, está também a haver mais dificuldades em dar resposta ao número crescente de pedidos de análises. No entanto, o Instituto Nacional Ricardo Jorge, onde eram feitos todos os testes antes de a despistagem ter sido descentralizada por vários hospitais do país, tem estado a fazer cerca de 350 testes por dia, sendo que teria capacidade para fazer o dobro se houvesse esse pedido por parte das unidades, o que não se tem verificado.
“Não há racionamento”
No briefing diário da DGS, o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales recusou várias vezes a ideia de que exista um racionamento dos testes ou de qualquer outro tipo de material, defendendo em contrapartida que o país tem de racionalizar o uso dos stocks disponíveis. No que diz respeito aos testes, os números continuam a não ser muito claros: até aqui, tornou a dizer Lacerda Sales, o país tem tido uma capacidade para 4000 mil testes diários entre público e privado, não tendo sido revelado o número de testes realizado. A partir dos dados dos boletins da DGS é possível estimar que terão sido feitas esta segunda-feira cerca de 1400 análises, não havendo informação sobre se os testes feitos no privado estão incluídos neste número. Ontem o Governo assegurou que o país tem encomendados 280 mil testes, esperando-se a chegada de 80 mil kits ainda esta semana. Foi também atualizada a orientação da DGS sobre diagnóstico laboratorial e se até aqui tinham indicação para fazer o teste pessoas com sintomas e ligação epidemiológica – ou seja que tivessem tido contacto com doentes ou estado em zonas afetadas – agora a instrução passa a ser para testar qualquer pessoa com sintomas como febre, tosse e dificuldade respiratória e o subdiretor-geral da Saúde, Diogo Cruz, diz que está a ser ponderado o alargamento a pessoas assintomáticas em contacto com grupos de risco, como é o caso de funcionários de lares. “Vamos a partir desta norma massificar os testes”, disse Diogo Cruz, assumindo também que a partir desta fase serão os clínicos a decidir quem querem testar de forma livre, quando até aqui a decisão tem dependido da avaliação da linha de apoio ao médico.
Faltam também as zaragatoas
Além da falta de testes em si, existe também a preocupação de que nem todas as análises estejam a ser feitas de acordo com as orientações da Organização Mundial de Saúde e da DGS, que estabelecem que deve ser feita a recolha de duas amostras respiratórias de zonas distintas, o que não tem estado a acontecer em alguns locais de rastreio nas últimas semanas, sendo usadas zaragatoas na zona do nariz.
Mafalda Felgueiras, patologista clínica num hospital de região centro, explicou ao i que as orientações são para que seja feita uma recolha no nariz e outra no trato respiratório inferior, na faringe, e que quando isso não acontece a sensibilidade do teste pode ser menor, aumentando o risco de falsos negativos. A médica remete para um artigo publicado na revista médica "Journal of the American Medical Association (JAMA)", com uma análise sobre a sensibilidade das diferentes amostras. O trabalho, com base em 1070 amostras de 205 doentes com covid-19, aponta diferentes níveis de taxas de positivo consoante o local onde é feita a recolha de amostra para análise, sendo que só cinco dos oito doentes que fizeram zaragatoa no nariz acusaram positivo. Em alguns hospitais, a falta de zaragatoas também tem condicionado a realização de testes ou a utilização do mesmo cotonete para a colheita das duas amostras, disse fonte hospitalar ao i. O primeiro-ministro garantiu ontem que estão encomendadas 480 mil zaragatoas.
Ao final do dia, estavam confirmadas 33 mortes por covid-19 no país, um número que foi sendo corrigido ao longo do dia. Segundo o balanço da DGS, até ao momento apenas 22 doentes recuperaram, “alta” que só é dada depois de testarem negativo para o coronavírus.
A maioria dos doentes estão a ser acompanhados em casa, sendo que apenas 203 dos mais de 2300 doentes estão hospitalizados, 48 a receber cuidados intensivos. A percentagem de doentes a precisar de cuidados intensivos em Portugal tem rondado assim os 2% e os óbitos representam 1,3% dos casos, uma taxa de mortalidade abaixo da que se registou na China e nas últimas semanas em Itália, onde 8% dos doentes morreram. Há ainda assim o caso alemão, com 23 mil doentes e uma mortalidade na casa dos 0,4% (o país tem cerca de 32 mil casos e registava ontem 156 mortes) o que tem sido atribuído ao número de testes feitos, que aumenta a base de casos confirmados, e ao facto de a população atingida até ao momento ser mais jovem, ao contrário do que aconteceu em Itália e também tem acontecido em Espanha. Em Portugal, o grupo etário com mais doentes continua a ser de pessoas entre 40 e 49 anos, mas tem estado a aumentar o número de idosos atingidos – ontem eram 478 e passaram de 14% para 16% dos doentes. O Governo tornou a alertar para o risco de transmissão da doença em lares depois de já terem sido detetados casos em várias instituições.